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TECENDO
A FONTE

DAS PEDRAS


Ariel Krivochein Marques


Ao dotar o signo poético de “uma natureza insubmissa aos sistemas organizados” (ver “Manifesto à Aldeia Marginal”) – um signo selvagem – Cid Seixas revela-se desde já como um poeta cujo parti pris é a natureza mesma – o mundo das pedras, das águas, das coisas.

A ênfase no natural é manifesta.

No entanto seus poemas entremostram uma fatura rica em recursos técnicos – artifícios... – que, por evidente contradizer uma “natureza”, a explicitam. Tem lugar assim um distanciamento do mundo natural com a finalidade flagrante de recapturá-lo.

Fonte das Pedras é uma demonstração cristalina da dialética da criação.

O poeta mergulha na pesquisa das camadas sonoro-semânticas que informam as palavras e contraditoriamente velam/revelam os objetos e seres do mundo.

É, assim, poesia que se desenvolve com a engenhosa naturalidade de água em pedra, a assumir múltiplas e intrincadas formas der acordo com os diversos “veios”, antes de atingir seu simples objetivo: o leitor, a aguardá-la na fonte.

                          “Lá,
                          se re faz a sílaba”  

        Diz o poema, dentro da mais pura tradição das “murmurantes águas” da poesia clássica latina – e, ao mesmo tempo, de concepção moderníssima. Ou, ainda, o

                        “Pretenso
                        beija-flor
                        batendo
                        as
                            du
                                 as
                             as
                        as”.

 

     

  A natureza – em estado de dicionário – sofre assim a intervenção do artifício, e é reinventada. Soltos fonemas (as, du, as, as, as), entidades puras, orgânicas quase, transformam-se na borboleta (“pretenso beija-flor”) do poema no ser verbal.

    Notável também é a conotação têxtil que o autor dá à atividade poética:

 

                         “Tecer o fio tênue
                        do impreciso,
                        fazendo romper
                        palavra arisca,
                        água ou potro,
                        bravios,
                        o estreito silêncio:
                        cristal do sentido”.

    Tecer assim a teia verbal do poema é ato ao mesmo tempo cerebral e instintivo – e o fio utilizado é necessariamente verbal, com toda a carga multissignificante que o dicionário confere às palavras (a título de curiosidade, a palavra inglesa webster, que dá nome ao famoso dicionarista, é, por caprichosa coincidência, termo arcaico para weaver, tecelão).

    Assim, o tecido poético é natureza e artifício, “bela” estrutura e, ao mesmo tempo, armadilha – e aí sim entramos de cheio na problemática política, inerente a qualquer obra literária ou artística: fazendo romper, palavra arisca, o estreito silêncio: cristal do sentido”.

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MARQUES, Ariel Krivochein. "Tecendo a fonte das pedras". Texto originalmente publicado em SEIXAS, Cid. Fonte das pedras. Rio de Janeiro, Civilizaçao Brasileira; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1979.




 
















































 


     
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Este site foi concluído e disponibilizado  no mês de outubro de 2016. Última atualização desta página: março de 2021.
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