| Abertura | Leitura Crítica | E-Books | Livros | Cronologia de Textos | Artigos | Autores Escolhidos | Sobre o Autor | |
|
EM NOME DO PRAZER DE LER: A CRÍTICA LIGEIRA DE CID SEIXAS Rubens Alves Pereira
e Elvya Ribeiro Pereira Este livro, Os riscos da cabra-cega: recortes de crítica ligeira, reúne parte da crítica de “rodapé” produzida pelo professor, poeta e crítico literário Cid Seixas, de 19 de setembro de 1994 a 9 de novembro de 1998, período em que manteve uma coluna semanal no jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, totalizando 191 artigos. No irreverente título, o autor cifra um conjunto de referências que diz muito do conteúdo que iremos encontrar no interior do livro, a exemplo do tom irônico e provocativo que ele assume em relação ao exercício da crítica literária, a sua e a de outros tantos e diversos profissionais; a valorização do jogo lúdico e prazeroso que deve predominar em toda e qualquer relação com o texto literário; a defesa da leveza textual e da agilidade comunicativa como princípios básicos da crítica de “rodapé”; o recurso às citações, que busca tanto o diálogo com outros autores, como o espaço múltiplo e interdisciplinar do exercício crítico. Se na primeira denominação da sua
coluna no jornal A Tarde, “Livros & Ideias” (1), diz Cid Seixas
que buscou ressoar o título da célebre coluna “Homens & Obras”, de Carlos
Chiacchio (publicada no mesmo jornal, entre os anos de 1927 a 1946) (2), na
nomeação proposta para esta coletânea Cid procura ressonâncias em um dos
maiores intérpretes da cultura e da literatura brasileiras, conforme podemos
ver na expressão “crítica ligeira”, que remonta ao que o autor referenda como
“brigada ligeira”, a “velha designação” de Antonio Candido para a crítica de
rodapé. Ao lançar seu livro de estreia, Antonio
Candido dá como título a designação conceitual de Brigada ligeira (1945),
buscando com isso caracterizar a natureza dos “artigos de circunstância” ali
reunidos, originários da sua militância como crítico de “rodapé semanal”
na Folha da Manhã, de São Paulo. Ainda no prefácio, Candido explica
“que a ligeireza da brigada vem do seu caráter jornalístico, e não dos autores
estudados...”. Desde então, os “artigos” de rodapé vêm perdendo espaço nos
jornais para a crítica ensaística dos Suplementos Literários, em grande parte
tributária do vocabulário teórico predominante nos meios acadêmicos. O próprio
Antonio Candido passaria a colaborador de tais suplementos, atividade que
resultou noutro livro, O observador literário (1959). Com o crescente prestígio da formação
universitária, a atividade crítica sofre os influxos de um saber
institucionalizado e passa a ocupar espaços mais especializados nos jornais,
como os Suplementos Literários ou os Cadernos Culturais. Com isso, a crítica
literária de rodapé tem suas funções abaladas, amargando fases de escassez, ou
registrando maior ou menor credibilidade junto ao público especializado e ao
leitor comum. Contudo, ela não chegou a ser definitivamente suplantada, graças
talvez às suas especificidades no tratamento do texto literário. Essa “crítica
[ligeira] se sustenta na leveza e na agilidade como elos ou formas de conexão
com o público”, conforme defende Cid Seixas em “A sustentável leveza do texto”,
último e maior artigo/ensaio deste livro (3). Como na brincadeira da “cabra-cega”,
diz o autor, o crítico de rodapé deve assumir os riscos de uma atividade que,
de certa forma, se exerce de olhos vendados, procurando o que não se vê, ou o
que não se dá a ver objetivamente. “Sabendo-se de olhos vendados para o que
pretende alcançar, a crítica saberá voltar atrás, tentar de novo, procurar do
outro lado, e – quem sabe? – até mesmo acertar”, provoca Cid Seixas na
conclusão deste ensaio que, colocado no final do livro, empresta seu título à
denominação do primeiro capítulo: “A sustentável leveza do texto”. Por
outro lado, escolhemos para abrir
esta coletânea o artigo “Criação e
crítica: sobre o conto e o poema”, texto que
tem parte de seu título encimando o último
capítulo. Com isso, estabelecemos
uma circularidade que evidencia, nestes artigos de Cid Seixas, uma
espécie de
unidade de percepção em meio à diversidade de
temas e autores abordados. Trata-se,
ainda, de um ensaio que traz, declaradamente, uma profissão de
fé do autor em
relação à crítica literária, seja no
âmbito da reflexão acadêmica, seja como
informação destinada ao público maior dos jornais.
Neste artigo, antes de
analisar os elementos da natureza discursiva que aproximariam o poema e
o conto
(“o canto e o conto podem aflorar e ordenar não apenas o
que foi dito, mas,
principalmente, o que não se permite dizer”), Cid Seixas
posiciona-se de forma
polêmica e contundente em relação a um tipo de
produção crítica caracterizada
como “ofício parasita, vampiresco”, cuja principal
função seria “dar emprego
aos críticos na Universidade”. Sentindo o peso irônico das suas
afirmações, Cid Seixas abre um curto parágrafo e evoca Freud para ressaltar que,
“dissimulada em blague, há uma vera verdade na afirmativa chistosa”. O crítico posiciona-se contra a
“política de fronteiras” no tratamento dos gêneros literários, a qual sempre
acaba por transformar o que foi em sua origem “forma revolucionária” em “fôrma”
alienada e conservadora. Reconhecendo como espaço fértil da crítica literária o
ato de “iluminar as veredas do não consciente”, Cid Seixas advoga um discurso
criativo e leve para a crítica literária, capaz de estabelecer um processo de
comunicação sedutor, que busque a cumplicidade e o aliciamento do leitor para
uma literatura, ou para um espaço cognitivo que proporcione “leitura
desinteressada e prazerosa”, diferentemente do que estariam apregoando boa
parte dos “funcionários da literatura”, que, com seus tratados acadêmicos,
contribuiriam para reduzir o interesse pela literatura. Para
uma melhor visualização dos
diversos temas abordados por Cid Seixas em sua crítica de
rodapé, os 53 artigos
selecionados para este livro foram dispostos em seis capítulos,
havendo, como
já explicitamos, uma espécie de espelhamento entre o
primeiro e o último
capítulos, ambos com forte investimento em reflexões
voltadas para a teoria e a
crítica literárias. (4) Cinco artigos
compõem cada um desses dois
capítulos, sendo que no primeiro, “A sustentável
leveza do texto”, podemos
detectar de forma mais direta os parâmetros teóricos e as
concepções de crítica
literária do autor. No último capítulo,
“Criação e crítica”, as
reflexões
teóricas e críticas estão mais circunstanciadas
à visão de autores alvos da sua
leitura. Ressalte-se que, nesses dois capítulos, Cid Seixas
não se esconde
atrás de uma pretensa neutralidade, antes faz questão de
assumir posições, de
questionar parâmetros, de ironizar posturas ou postulados... Mas,
se num
momento ele denega verdades e provoca dúvidas; noutro, seu
argumento quer ser
preciso e sua perspectiva, didática. Podemos dizer que, se a face polêmica e
afirmativa torna viva a fala do autor, em alguns momentos, a sua veemência
resvala em generalizações ou em afirmações categóricas tributárias de uma
parcialidade do olhar ou de um reducionismo do conceito – contudo, este é um
risco que parece calculado pelo crítico no contexto de sua retórica autoral. No segundo capítulo (o maior do
livro, com 18 artigos), intitulado “Literatura brasileira em face diversa”, são
abordados autores dos mais diferentes filões, ou rincões da literatura
brasileira. Na terceira parte, “América Latina: sobrevoos”, figuram cinco
textos que contemplam autores da espanoamérica, região cujo contexto sociocultural
e político em muitos aspectos se aproxima da realidade brasileira. Em seguida,
o capítulo “Outras literaturas”, que reúne quinze artigos, incorpora um amplo
leque de autores europeus e norte-americanos. Por fim, o quinto capítulo,
“Provocações contemporâneas”, traz cinco artigos em que Cid Seixas se posiciona
a respeito de temas sociais e políticos marcantes na atualidade, como por
exemplo: cultura de massa; império econômico versus democracia; educação. Ainda privilegiando a forma
didática e visando a facilitar a viagem do leitor, o volume Os riscos
da cabra-cega: recortes de crítica ligeira encerra uma “Cronologia dos
textos, em ordem alfabética”, e um “Índice referencial de autores e obras”. Destacamos a importância deste
livro não apenas como registro de um dado momento cultural da Bahia, mas
sobretudo como a oportunidade do leitor interessado em questões literárias e
culturais entrar em contato com abordagens claras, e muitas vezes polêmicas e
corajosas, de obras e temas de inquestionável relevância acadêmica e sociocultural.
Cid Seixas demonstra mais uma vez, na reunião de crítica ligeira,
uma capacidade de síntese, uma clareza de propósitos e uma fluidez textual que
são marcas registradas da sua produção intelectual. Ao leitor, fica então o
prazer da leitura. NOTAS 1 O título “Livros & Ideias” seria mudado
para “Leitura Crítica” dois meses depois, mais precisamente, na coluna do dia
21/11/94. 2 Chiacchio foi pioneiro da
crítica de rodapé de jornal na Bahia e, conforme Dulce Mascarenhas, escreveu em
sua coluna 957 artigos, tornando-se bastante influente na cena literária e
cultural do Estado (Dulce MASCARENHAS, Carlos Chiacchio: Homens &
Obras. Salvador: Academia de Letras da Bahia / Fundação Cultural do Estado,
1979). 3 Texto apresentado ao Ciclo
Ítalo Calvino (1998), em mesa-redonda, tem sua origem em dois artigos
de rodapé publicados pelo autor, o que evidencia a profunda articulação entre o
exercício da crítica ligeira do jornal com o trabalho acadêmico de fôlego
ensaístico.
4 Atendendo ao desejo do próprio
autor, não figuram nesta seleção os artigos sobre escritores baianos e sobre o
grande boom da literatura gaúcha que, por serem numerosos,
constituiriam um outro livro de dimensões próximas a este.
|
|
|
|
|