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TEXTOS ESCOLHIDOS DE
CID SEIXAS . Ívia Alves DA CRÍTICA – Há várias maneiras
de tratar o texto literário. Porém, de qualquer perspectiva, a releitura
ilumina e contribui para enriquecer a concepção do leitor. Uma delas é a crítica nos jornais que, ao mesmo
tempo, proporciona a divulgação da nova produção de um autor, traz,
inclusivo, o olhar do crítico sobre vários aspectos do livro. Desde o momento em que o jornal passou a fazer
parte do cotidiano de um indivíduo na sociedade urbana, houve o pacto entre ele
e as artes, mais especificamente, a literatura. Foi através dos jornais que os
folhetins começaram a ser divulgados e foi através dele que muitos autores
iniciaram seu percurso literário. Essa cumplicidade entre a arte e a mídia
aprofundou-se quando passou a fazer parte dos quadros do jornal um tipo de jornalista
especializado – o crítico literário. O direcionamento de leitores em potencial (pessoas
alfabetizadas) para o lazer e o prazer da literatura, no tempo da modernidade,
criou a figura do crítico de jornal diário, um tipo bem definido, pois, além de
dedicar mais tempo à leitura, tinha mais experiência e mais instrumentos para
interpretar, iluminar e explicar uma obra direcionando, assim, o gosto e a
leitura de leitores comuns. Tudo isso fazia do crítico, que escrevia para o
jornal, um leitor especial, que orientando os leitores, complementava com sua
conversa o prazer e o lazer da literatura nos século XIX e princípios do XX.
Com o advento de outras mídias, o jornal passou por muitas transformações, mas
sempre reservou um espaço para esse leitor acurado. Legitimado o espaço e o seu
papel dentro da sociedade, os nomes mudaram, ao longo do tempo, mas a coluna ou
o rodapé semanais permaneceram. Um dos primeiros críticos a assumir esse lugar
e influenciar na recepção da obra foi o francês, Saint-Beuve. Suas Conversas de
domingo, no século passado, criaram a tradição de um formato que até hoje,
quando o espaço não se especializa em Suplemento literário, vem resistindo ao
tempo. Sainte-Beuve, em uma conversa amena, passava
informações sobre a obra, sobre a vida de autores, sobre suas impressões. Sua
coluna fez tanto sucesso e criou tanta credibilidade que, com o tempo, esse
figura se propagou para todos os jornais diários. De Saint-Beuve até os nossos dias, houve algumas
modificações no que tange ao indivíduo que se exercita na coluna, mas o formato
tendeu a permanecer. O crítico passou a utilizar-se, sutilmente, de
alguns parâmetros e instrumentais teóricos, porém deixou ficar o espaço para a
construção de articulações, inclusive comparando obras do mesmo autor, ou de
autores diversos no tempo e no espaço, e, contemporaneamente, até entre
discursos diferentes. De alguma forma, este papel fundamental, que
desempenhou o crítico de jornal atuando na função de produzir textos de
divulgação de uma publicação “no calor da hora” (expressão bem acertada por
Walnice Galvão) aporta-se nas suas primeiras impressões e análises. Durante algum tempo, principalmente entre as
décadas de 60 a 80, este tipo de crítica ficou de lado, quando os grandes
suplementos privilegiaram o texto de críticos provenientes da academia, que se
utilizava do espaço para, detidamente, analisar obras ou autores. Mas a
supervalorização de um jargão técnico e não comum ao público do jornal fez com
que o leitor se apartasse dos suplementos. Já no final dos anos 80, os críticos
divulgadores reconquistaram o seu lugar e o seu papel.. Com isso se quer dizer
que os jornais voltaram a preferir o tipo de crítico que dominando a sua
especialidade, também tenha o poder de passar suas ideias como se estivesse
conversando com o público. O crítico inglês David Daiches descreve muito bem
esse tipo de crítico, enfatizando, principalmente seu lugar junto ao leitor
comum. Tomemos as suas palavras: “A crítica inscrita em diários sem ter a pretensão
de ser a última palavra, por ser descompromissada com determinados esquemas
teóricos acadêmicos, não pode ser vista apenas pela perspectiva do cotidiano,
pois traz no seu entorno, notícias e informações e mesmo «insights» que se
perderiam com o tempo quando não houve interesse em resgata-las. Na
contemporaneidade, passa a ser vista como um registro cultural onde se pode ir
buscar informações, impressões e análises fotografadas e localizadas em um
determinado tempo e espaço, proporcionando a reconstituição da rede
cotidiana da vida cultural.” A crítica de jornal que se instalou entre os anos
de 1930 a 1950, no Brasil tinha esse posicionamento, tanto que muitas vezes, os
diversos atuantes entraram em choque de opinião, e não foram raras vezes que se
criou uma polêmica em torno de um livro, de um acontecimento literário. Sem querer
dar conta da verdade e de uma análise absoluta e universal, esses críticos, com
intuição e grande sensibilidade, muitas vezes expressaram, mesmo
‘no calor da hora”, juízos e opiniões que ainda permanecem legitimas e
avalizadoras de um escritor. Não se pode perder de vista um Sérgio Milliet, um
Otto Maria Carpeaux, um Álvaro Lins, um Alceu de Amoroso Lima ou um Eugenio
Gomes entre tantos outros. A força dos jornais diários na Bahia vem desde o
final do século passado, mas não era costume, pelo menos até as duas primeiras
décadas, existir um espaço delimitado e nomeado para um único crítico escrever
suas impressões sobre as obras. Até onde se tem notícia, foi Carlos Chiacchio,
médico e escritor que inicia suas atividades literárias a partir de 1910, assumindo
este espaço no jornal A Tarde. O papel de crítico de jornal tem seu fundador na
figura de Carlos Chiacchio, médico e escritor que, a partir de 1910,
iniciou a colaborar, semanalmente, com um novo jornal da época, A Tarde,
com a sua crítica de rodapé, como ele preferia, ao próprio título de sua
coluna, “Homens & obras”. É uma das mais longas colunas que temos
conhecimento e na Bahia, certamente, pois iniciada em 1927 só acabou, com a
morte de seu fundador, em 1946. A tradição dessa crítica , portanto, toma corpo,
com a atividade semanal de Carlos Chiacchio. O formato era muito simples.
Iniciava suas colunas com um pequeno ensaio com comentários sobre um livro, um
conjunto de livros do mesmo autor ou tema e passava, em pequenas notas, a
noticiar as publicações recém-saídas, tanto da região quanto do país. Sua
erudição e seu convívio com os clássicos e os franceses dava a moldura
exata para ele se mover em comparações, na busca de origens e evoluções. Sem
evidenciar marcas de suas leituras teóricas, como era comum na época, o crítico
discorria desde o poeta da cidade aos poetas do ocidente. Ao todo, Chiacchio
escreveu 957 rodapés críticos, como documenta o estudo de Dulce Mascarenhas. [1] Dominando a cena baiana por quase vinte anos,
tornou-se temido por uns, louvado por outros, dependendo o autor de seu juízo
de valor. Mas, para aquela época, de pouca divulgação da obra literária, ele
exerceu uma atividade positiva, inclusive influenciando os jovens autores. Sob uma roupagem de conversa, de aparente intenção
despretensiosa, o autor de “Homens & Obras” ia construindo seus rodapés.
Através deles pode-se resgatar a vida literária e cultural local e a produção
que conseguia repercussão na cidade, porém, não se pode deixar de lado o peso
de sua palavra/discurso como um orientador e agitador cultural. Após a sua morte, diversos intelectuais retomaram a
crítica de rodapé, sendo os mais conhecidos Heron de Alencar, logo após sua
morte, permanecendo até os primeiros anos da década seguinte. Entre os anos
setenta e oitenta, David Salles retomou o mesmo formato, inclusive restaurando
o lugar eleito, o fim da página. Embora Cid Seixas se situe na mesma família,
sua preocupação com o cotidiano literário e cultural da cidade mistura-se
com outros aspectos, inclusive de âmbito nacional e internacional. Atualmente, com o resgate da produção crítica impressa em livros pode-se avaliar a grande contribuição que eles proporcionaram para a literatura como também pelo registro diário da vida intelectual do país. A emergência desse rico e complexo material dá possibilidade de se fazer um mapeamento da vida cultural tanto da antiga capital do país (o Rio de Janeiro) como das cidades e dos estados, construindo um painel do cotidiano literário do Brasil. DO AUTOR — Como leitor acurado,
Cid Seixas, embora crítico de literatura, assume uma posição anterior a
fronteiras – buscando as articulações entre discursos – e, mesmo, questionando
o seu ofício – a crítica. Parece, às vezes, não querer reconhecer as
delimitações de fronteiras entre o acadêmico e a prática do periodismo – e a
partir deste lugar questiona ferozmente, embora esse exercício seja mais para
iluminar o caminho da crítica do que detratá-la – o tipo da crítica acadêmica.
Como autor de textos destinados ao jornal diário, o crítico apropria-se do
discurso do leitor comum para demonstrar que não existe fundamento na “alta
literatura” para o texto ficar aprisionado pelo crítico. Inserido o crítico em
um momento de fortes mudanças, questionar um tempo anterior em que a alta
literatura passou a ser articulada por críticos acadêmicos que se encharcaram
com um jargão próprio e que inviabilizou o leitor comum de comungar suas
impressões, suas experiências literárias. Esse tipo de crítico que dominou na
década passada as folhas dos diários afastou muito o leitor do prazer de
experienciar junto a um leitor mais acurado suas ideias. Assim sendo, Cid
Seixas sai deste lugar, para juntar sua voz com o leitor comum e vociferar
contra a torre de marfim, vociferar contra o des-prazer da leitura. Na maior parte dos artigos selecionados, o discurso
crítico apropria-se da perspectiva do leitor, amante das letras ou mesmo
do senso comum da maioria, desinteressada das altas elucubrações construídas
pelos teóricos que se alojam nas universidades No entanto, em alguns momentos o crítico da
academia aponta em suas produções, porém na maioria das vezes, ele desliza
deste papel para o do crítico prático, do jornal, como parceiro do leitor
comum, que se propõe apenas a iluminar o caminho da leitura de um romance, de
um conjunto de poemas. Portanto, o autor apropria-se dos vários papéis
críticos. Este seu percurso e a troca de atuação documenta, principalmente, o
momento de transição e confluências de perspectivas diversas. Ao lado de pequenos ensaios gerais, onde se percebe
o discurso acadêmico, cruza-se a atuação do crítico prático, reclamando os seus
espaços, as observações pontuais, chamando atenção para o cotidiano. A
produção, aqui selecionada, permite ao leitor interessado perceber o testemunho
diário do oficio crítico. Outro aspecto, advindo da própria transição, é a
modulação dos discursos que ora indagam do novo ora tendem a dar voz ao crítico
mais centrado na modernidade que questiona os caminhos e descaminhos da atualidade. Mas o crítico militante não deixa de empregar,
subtilmente, instrumentais teóricos. Embora não deixe à vista os andaimes das
metodologias eleitas, utiliza-se largamente da análise psicanalítica, da
análise semiótica. Também, sem querer mostrar, mas deixa a entrever uma leitura
afiada e afinada dos símbolos e dos parâmetros que constroem a história da
cultura ocidental. Em prosa cadenciada, muitas vezes, procura
esclarecer seu ponto de vista, velando-o através de uma linguagem entre
culta-coloquial-irônica. DO LIVRO — O livro foi
organizado para dar conta das variadas vertentes que o crítico percorre. Assim,
a parte intitulada “Do centro às margens” trata de escritores que já são
legitimados pelo cânone literário e pelo público. Se o crítico, procura fazer
uma análise do conjunto da obra de Jorge Amado, no caso de Antonio Torres
examina sua última produção. Caminhando para as margens, Cid Seixas tanto trata
de escritores que publicam e são reconhecidos no sul do país (Porto
Alegre), sendo que alguns deles já circulam nas áreas de decisão através de
seus trabalhos, quanto de escritores baianos. Essas duas regiões, estando longe
do centro de decisão, também têm suas especificidades, tornam-se mais isoladas
mas constroem outro anel de circulação. Os diferentes se comunicam, perseguindo
o centro, mas sem querer esmaecer suas especificidades. Voltada a Bahia para
sua cultura híbrida de bases africanas pode perfeitamente dialogar com uma
outra cultura híbrida, fundada na hibridização de comunidades diversas europeias. A importância de registrar esses curtos artigos é
deixar documentado o cotidiano, as repercussões das obras no cenário nacional
ou local; é mostrar as dificuldades e soluções sinalizadas pelo autor da sua
vivência em Salvador ou seu olhar sobre outro lugar. Os outros bloco referem-se aos estudos mais
verticalizados do crítico sobre autores estrangeiros ou sobre filosofia e
psicanálise. O autor pode demonstrar sua capacidade de análise e de articulação
nesses ensaios maiores, que foram publicados em duas ou mais partes e que foram
revistos para a publicação em livro. ENFIM — Feito o retrato, o perfil, viremos a página. O autor se mostrará melhor do que qualquer descrição que se possa fazer. Eis os seus textos, organizados por seções. Cada título fala por si mesmo. Vamos a eles.
1. MASCARENHAS, Dulce. Carlos Chiacchio: homens & obras. Salvador, Academia de Letras da Bahia/ Fundação Cultural do Estado, 1979. V II, 138 p. |
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