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Um velho crítico

 

Com Caderno de crítica, publicado em 1944, Mário Cabral conquistou o respeito de expressivos intelectuais brasileiros. Segundo Álvaro Lins, o livro revela as qualidades do escritor e a “consciência real da dignidade da crítica”. O romancista José Lins do Rego foi mais enfático, afirmando que “a tradição de crítica vigorosa de Sergipe, a tradição de Tobias, Sílvio, João Ribeiro, não se perderá com vocações como a de Mário Cabral.”

Ao inserir o autor como continuador dos caminhos críticos abertos por Tobias Barreto, Sílvio Romero e João Ribeiro, Lins do Rego estava, na verdade, assegurando para o então estreante uma reputação das mais consagradoras. A articulação dos momentos mais expressivos do pensamento regional com o trabalho do autor de Cadernos de crítica, ao mesmo tempo em que representava um desafio e uma responsabilidade, abria espaços bem mais amplos para o seu trabalho.

Nomes como Gilberto Amado, Agripino Grieco, Câmara Cascudo, Érico Veríssimo, Carlos Chiacchio e tantos outros, com suas referências, ajudaram a consolidar o prestígio deste crítico.

Nascido em 1914, em Aracaju, Mário Cabral deu vazão à sua inquietação intelectual sendo jornalista, escritor, advogado e político. Logo chegou a prefeito da capital sergipana. Depois, veio viver na Bahia, nos meados do século, na mesma década de cinquenta em que Afrânio Coutinho publicava tanto em A Tarde quanto em outros jornais brasileiros os artigos que viriam a derrubar o prestígio da chamada crítica impressionista, de caráter essencialmente jornalístico, e estabelecer os princípios da nascente crítica universitária brasileira.

Em Salvador, Mário Cabral tornou-se diretor, redator ou simples articulista de jornais como Diário da Bahia, Diário de Notícias, Estado da Bahia e Jornal da Bahia, todos já desaparecidos, inclusive aqueles que tiveram um papel de relevância no jornalismo brasileiro, como o DN e o JB.

A troca da atividade crítica sistemática pela atividade jornalística diária retirou o nome de Cabral, surgido como um cintilante cometa, do panorama da crítica regional e nacional.

Ainda de acordo com o seu espírito inquieto e de múltiplas ações, ele passou do jornalismo à área do direito, que assegurou o seu sustento por muitos anos, tornando-se Consultor Jurídico do Estado.

Somente agora, aos oitenta e três anos, quando o viajante recupera a serenidade de não mais partir, chegar, e tornar a partir, Mário Cabral volta a percorrer os antigos caminhos e a espelhar o tempo retido na memória. Colhendo os frutos desta estação sem tempestades, ele reúne a sua crítica esparsa, perdida desde 1945 em jornais do nordeste, do sul do país e do exterior num livro que, desde já, pode ser tomado como um documento valioso da crítica regional.

Jornal da noite é o título do volume de mais de trezentas páginas em que este velho estudioso registra a sua passagem da crítica literária propriamente dita para uma crítica da cultura. Etnografia, história, folclore e teoria passam a integrar o leque de interesses deste bem formado intelectual, cujo saber foi forjado num momento frutífero do saudoso sistema de educação brasileira (hoje sepultado pelo governo neoliberal, que, deste modo, também se libera da responsabilidade de formar e educar).

A leitura de Jornal da noite demonstra que Mário Cabral continuou fiel à velha e boa crítica impressionista, mesmo depois do arsenal teorético enxertado pela inteligência universitária ter destruído a função informativa e judicativa deste gênero de crítica.

Até os anos cinquenta, todos os jornais de grande ou médio porte mantinham conceituadas colunas de discussão e julgamento de obras literárias. Eram as informações, a análise e as impressões passadas pelo crítico que orientavam o leitor na escolha dos livros. Havia um diálogo estreito e frutífero entre o leitor e a crítica de jornal. Esta crítica impressionista encontrava eco nas próprias impressões despertadas pelas obras no leitor, o que infelizmente não acontece com a douta crítica universitária. Muitas vezes, o texto de base universitária é mais extenso do que a própria obra que lhe serve de pretexto. Ele não mais é produzido no calor da hora, registrando os lançamentos e ousando arriscar opiniões quando a obra em questão ainda não se instalou no patamar seguro do consenso.

Por isso, a grande distância existente entre a crítica e o público de hoje. O leitor comum deseja travar um diálogo com um outro leitor, bem formado, mas despido de aparatos teóricos que possam servir de ostentação ou de intimidação a um confronto mais franco e informal.

Os profissionais da universidade, pelo costume do cachimbo, muitas vezes cedemos à tentação de permitir que o desfile da erudição ou as complexas elucubrações conceituais tornem opaca a visibilidade do panorama visado: a obra literária criticada.

Como a velha crítica impressionista ia direto àquilo que o leitor queria, ela pôde se constituir enquanto referência privilegiada. Já a nova crítica, aquela que a universidade produz, atende apenas aos oficiais do mesmo ofício. Embora seja útil e essencial para a constituição do novo cânone literário, ela não dá conta do que para mim é mais importante: o desejo do leitor.

Por isso é que a lição reunida em Jornal da noite, de Mário Cabral, serve de exemplo neste momento de resistência ou de emergência tardia da crítica impressionista.

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Um velho crítico. Artigo crítico sobre o livro Jornal da noite, de Mário Cabral. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 2 jun. 97, p. 7.







































 
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