Revista de integração literária
O Brasil é um país muito pobre em publicações
literárias. Em termos comparativos com outros países menores e menos ricos,
observa-se que aqui praticamente não se lê.
Tomemos um exemplo próximo: Portugal é um pais menor
do que alguns pequenos estados brasileiros. Sua população também é menor do que
a população de uma das nossas grandes cidades, São Paulo. Mesmo assim, uma
edição de livros feita lá tem uma tiragem idêntica a de uma edição brasileira,
o que quer dizer que, seguindo o exemplo da antiga metrópole colonial,
deveríamos ter em estados como Espírito Santo, Pernambuco ou Ceará edições
equivalentes às portuguesas. Em termos de Brasil, nossas edições deveriam ser,
no mínimo, dez, vinte ou trinta vezes maiores do que as edições portuguesas.
Assim, estaríamos num mesmo nível de inteligência.
Observe-se que, segundo a cultura da piada,
português é visto como burro. Se um povo que lê muitas e muitas vezes mais do
que nós é tratado assim, imagine-se como o brasileiro deve ser tratado por
eles...
Convém lembrar que, além de livros, Portugal publica
algumas revistas culturais de altíssimo nível, que circulam inclusive no
Brasil: Colóquio Letras, Colóquio Artes,
Ler, Revista Internacional de Língua Portuguesa etc.
Quando nos vemos em espelhos como estes, observamos
que o grau de civilização de um povo pode ser avaliado pelas suas publicações e
pela sua leitura. Salvador é uma cidade quase tão grande quanto Paris (pelo
menos segundo as estatísticas). A única diferença é que mais da metade da
população daqui vive na miséria, mora em invasões sem água, sem luz e sem
esgotos. Não frequenta escolas, não vai ao teatro, não conhece o Louvre, não
come queijo, não bebe vinho, nem tem seguro saúde. Veja-se o quanto se lê e
publica aqui e lá. Pois é. Comparar parece piada de mau gosto. David e o
gigante.
Para não dizer que não falei de flores, neste
reinado de D. Fernando II também se publica muito. Lair Ribeiro, Paulo Coelho,
livros de autoajuda e quejandos. O próximo grande sucesso editorial poderá ser
o livro Como venci na vida vendendo Deus,
do “bispo” Edir Macedo.
* * *
Fora as publicações de empresas e instituições como
a Biblioteca Nacional, as Universidades, a Casa de Jorge Amado etc., pouco
resta no país. Quem tem notícias do Jornal
de Letras, do Boletim de Ariel e
de tantas outras publicações?
O Minas Gerais
Suplemento Literário, que foi a mais importante iniciativa brasileira do
gênero virou boletim interno de uma das tendências vanguardistas de Belo
Horizonte. Este jornal, anteriormente com ampla circulação no Brasil e no
exterior, servia de vitrine da literatura brasileira. Júlio Cortázar disse que
passou a conhecer melhor a nossa literatura através da leitura semanal do Minas Gerais. Diferentemente das
revistas universitárias, milhares de exemplares eram distribuídos pelo Brasil e
pelo mundo.
Com as mudanças de governo e o afastamento do grupo
que concebeu e deu porte ao Minas,
nada restou da antiga publicação. Somente o espaço aberto à espera de algo
novo.
É neste quadro que surgiu o empenho de intelectuais
gaúchos na criação de um veículo de integração. Vem de Porto Alegre a
publicação da Revista Literária Blau.
Inicialmente, Walmor Santos começou a publicar um jornalzinho intitulado Blau. A coisa foi crescendo, adesões
foram feitas através de assinaturas. Chegou-se a uma tiragem de mais de cinquenta
mil exemplares.
Depois de uma dezena de edições, quando as
dificuldades financeiras começaram a ameaçar o trabalho, uma importante empresa
gráfica do Rio Grande do Sul, a Maredi, chamou a si a responsabilidade de
bancar a impressão. O que era um pequeno jornal transformou-se numa revista toda
a cores, esbanjando qualidade gráfica. Os empresários da Maredi compreenderam
que uma revista deste porte, inicialmente com tiragem fixa de vinte mil
exemplares, funciona como cartão de visita do seu sistema gráfico, além de
cumprir as finalidades literárias pretendidas pelo idealizador de Blau.
A tiragem poderá aumentar com a adesão de organismos
empenhados na divulgação internacional da nossa cultura e com as novas
assinaturas que começam a ser feitas. No Brasil, a assinatura anual custa
R$15,00. O interessado envia os dados para a Revista Literária Blau — Caixa Postal 20.255, ACF Princesa Isabel,
CEP 90620-970, Porto Alegre, RS — e recebe uma guia de pagamento bancário.
Mas, afinal de contas, o que é Blau?
O título marca a revista como uma conversa de
gaúchos, inspirada no personagem de Simões Lopes Neto. Segundo Volnyr Santos,
“Blau Nunes não é apenas um ser pitoresco que veste poncho e pala, que usa
botas e espora, Blau Nunes é um ser que procura, por intermédio da linguagem”.
Neste número, Blau
chega aos becos e ladeiras da Bahia trazendo um artigo sobre a poesia de Ruy
Espinheira Filho. No próximo, que sai nesta primeira semana de julho, Myriam
Franga será vista através do livro Femina.
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Revista de Integração Literária. Artigo do
opinião sobre periódicos literários. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 7 jul. 97, p. 7.