Novas
histórias
de proveito e exemplo
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Gláucia Lemos,
sem sair da Bahia,
consegue que seus
livros para crianças
e adolescentes
alcancem
várias reedições.
Qual o segredo?
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Um desejo de todo
escritor baiano é conquistar seu lugar no mercado editorial, sem ser obrigado
a sair da Bahia. Bons autores ficam
confinados ao pequeno círculo de leitores iniciados, se não forem morar no
centro-sul. Ao contrário do que aconteceu com a música axé, depois que Vevé
Calazans, Jerônimo, Luis Caldas e outros deram dimensões nacionais ao gênero;
nas artes de caráter menos massificante, a
Bahia só aceita aquilo que é referendado pelo público do eixo Rio-São
Paulo.
Nossa identidade
cultural depende do espelho alheio. Somos a primeira cidade do Brasil, mas não
perdemos o espírito colonial de dependência. Como público, não somos ainda
maduros para escolher. Uma mãozinha vinda de fora vale mais do que talento.
É bom lembrar que Jorge
Amado só voltou a morar em Salvador depois de reconhecido no mundo inteiro.
João Ubaldo, enquanto trabalhava em agências de publicidade e redações de
jornais baianos, era apenas conhecido pelo pequeno público formado por oficiais
do mesmo ofício. Deixou tudo e foi correr mundo; virou "sucessor de Jorge
Amado"... Vasconcelos Maia, Ariovaldo Matos, Wilson Lins e tantos, entre
vivos e mortos, são escritores condenados a uma pequena audiência.
Escritor que vive na
Bahia, mesmo publicando lá fora, tem dificuldade de ganhar espaço na mídia e,
consequentemente, de alcançar o público. As exceções são raras e conhecidas.
Entre elas está Gláucia Lemos, com seus livros para crianças e jovens,
recomendados em centenas de escolas, por
todo o país.
É verdade que os bons
ventos sopram mais para o lado da literatura infanto-juvenil. No gênero, ela
disputa um lugar, palmo a palmo, com os autores que vivem lá fora. O segredo é
um só: deixar que a antiga criança saia de si e caminhe de mãos dadas com a mãe
e a avó de hoje, perscrutando o jeito dos filhos e netos.
De experiência vivida e
renovada, Gláucia Lemos constrói sua obra, que ultrapassa duas dezenas de títulos.
A garota do bugre, publicado pela
editora Dimensão, de Belo Horizonte, está centrado numa história de
adolescentes; seus amores impossíveis, pequenas angústias, alegrias e sonhos.
Danilo, enquanto se
prepara para o vestibular, sonha com Vera, a garota do bugre amarelo. Mesmo que
seja um sonho impossível. Ela não é propriamente uma garota. Pequena, com jeito
frágil e olhar furtivo, não parece ser mãe de duas meninas. Bem mais velha do que ele, é casada, 35 anos.
Todas as manhãs frequenta às aulas de pintura da mãe de Danilo.
No colégio, o tempo
passa. A mãe de Danilo preocupa-se com os amigos escolhidos. Um deles, de
classe de alta, senhor de suas vontades, não é visto com simpatia. Ela prefere
que seu filho ande com os colegas de família mais modesta, assim como eles, que
precisam estar com os pés no chão.
Uma colega morre de
overdose de drogas. A polícia investiga o caso.
Por trás de toda a
trama construída por Gláucia Lemos está uma preocupação moralizante, marca da
sua literatura para jovens e crianças. Nas primeiras páginas do livro, Danilo
faz uma advertência à irmã que morre de amores por Diego:
— "Também não
precisa ser tão oferecida. Por isso é que ele não se importa com você. Homem
gosta de mulher difícil... Valoriza a conquista."
A fala passaria
desapercebida, pois a narradora, embora direta e incisiva naquilo que quer
dizer, faz o personagem transmitir seus recados em meio a uma situação divertida, escondendo a
intenção. O diálogo salta para um jogo alegre e sugestivo, fazendo com que o conceito
atue subliminarmente.
Mas o desfecho da trama
reforça a preocupação moralizante. Passado o tempo, nas férias do curso de
Agronomia, que Danilo frequenta em outra cidade, os colegas se reúnem para um
reencontro, na festa oferecida pela mãe de Danilo. Vera também é esperada. Depois
do tempo transcorrido, ele quer rever a menina do bugre amarelo. Soube que ele
se separou. A ansiedade aumenta.
Chegado o momento
aguardado, o desencanto. Não é mais aquela garota de olhar furtivo e jeito
terno que está à sua frente. Em pouco tempo de conversa, Danilo descobre uma
outra mulher.
Onde estaria aquela
garota? O olhar tímido deu lugar a gestos ousados e decididos. Depois da
separação, Vera deixou as filhas com o ex-marido e resolveu "aproveitar o
tempo perdido". Com o dinheiro da pensão judicial, vive sem precisar
trabalhar.
Em conversa com um dos
amigos, Danilo confessa:
— "Não é dessa que
eu gostava, Valdão. Eu gostava daquela que ela era antes, no tempo do
casamento. Discreta, de cabelo curtinho e franjas na testa, que ia à minha casa
carregando a filha com carinho."
E no fim do diálogo,
acrescenta:
— "A minha menina
do bugre amarelo era outra, na qual eu não tentaria por as mãos naquele tempo.
Queria, mas achava que nunca poderia tê-la, entende? Agora posso tê-la, agora
mesmo, a qualquer hora qualquer um pode tê-la".
Retomando a função
ética da literatura, proposta pelos eruditos medievais ligados à igreja e
incorporada pelo neoclassicismo, Gláucia Lemos encontra na literatura
infanto-juvenil o território adequado para a ficção moralizante. Ou, conforme o
dizer antigo, para as histórias de proveito e exemplo.
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Novas histórias de proveito e exemplo. Artigo
crítico sobre o livro A garota do bugre de
Gláucia Lemos. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 10 ago. 98, p. 7.