mulher a 40 graus
assombra
Um livro escrito por mulheres e voltado para mulheres,
que não se arma de lanças e escudos para guerrear com os homens. É a primeira
impressão que se tem da leitura de Mulher
40 graus à sombra – Reflexões sobre a vida a partir dos 40 anos, de Maria
Lúcia Pereira, Regina Pimentel e Mariana Fontes, publicado pela Objetiva.
Durante muito tempo os machos cultivaram versões
ancestrais do clube do bolinha, onde preferiam desfrutar a companhia do outro.
Gosto é gosto. Não se discute.
A sociedade ocidental, não tirando o cetro e o bastão das
culturas falocráticas do oriente, funcionava como um imenso club for men. As mulheres não tinham
nenhum direito previsto nos estatutos desta agremiação masculina: o mundo
inteiro.
Ao conquistar espaço através da força de trabalho no
mercado capitalista, a mulher virou o jogo, quebrando as roletas viciadas e
jogando fora os dados marcados. Algumas pensaram em assumir as botas e as
esporas dos antigos feitores. Outras buscaram apenas o que era seu. Daí a
postura intolerante de uma ruidosa facção do feminismo machista.
Ha uma semana atrás, aqui mesmo em Salvador, num destes
encontros feministas, quem nasceu homem foi proibido de entrar. Um integrante
do Grupo Gay da Bahia quis hipotecar solidariedade a quem nasceu mulher, ou
quis buscar estratégias conjuntas de lutar contra a discriminação, e foi
barrado na festa. Discriminado.
Ressalte-se, portanto, o trabalho de mulheres que
defendem seus espaços sem se investir da mentalidade troglodita do machismo de
saia. É este distanciamento e esta isenção saudável que caracterizam o
pensamento analítico das autoras de Mulher
40 graus à sombra.
Um livro útil para as mulheres que entram na faixa dos
quarenta anos, com seus problemas, pensares e aspirações. Pelo rigor, leve e
despretensioso, no tratamento dado ao tema, é um livro que o homem também se
interessa em ler, para compreender de perto a mulher desta faixa de idade.
Três psicólogas com formação em psicanálise saíram do seu
lugar de escuta e falaram como mulheres de mais de quarenta anos. Falaram de
forma bem humorada e inteligente sobre sexo, solidão e, principalmente, sobre a
proximidade da velhice e a presença da morte, fantasmas que assustam todo ser
humano.
Embora não se trate de um livro sustentado em
entrevistas, as autoras tiveram o cuidado de associar à sua vivência clínica
algumas horas de conversas francas e diretas como mais de vinte pessoas;
mulheres e homens de profissões diversas. Todos com mais de quarenta anos. A
experiência dos entrevistados funciona como uma espécie de revisão
bibliográfica informal do tema.
Alguns capítulos de Mulher
40 Graus à Sombra são exemplares, fugindo mesmo ao lugar comum forçoso aos
livros do gênero. Quando as autoras abandonam a natureza documental e passeiam
em torno do tema chegam a impessoalidade ou, mesmo, à ficcionalidade das
situações. Estas são passagens que lemos com o prazer de fruição de um texto
literário, isto é, de um texto que não se aplica a uma situação única, situada
e datada, mas transcende à sua circunstância para se inscrever na sensibilidade
de qualquer leitor que a tenha.
Divertido e levemente amargo é o humor de uma certa
“carta ao marido”, que funciona como uma ducha fria em meio à sonolência,
quando confrontado com o seu pequeno apêndice: o “bilhete ao amante”. Outras
passagens poderiam também ser destacadas, mas fica a sugestão ao próprio leitor
ou leitora para fazê-lo.
Da leitura do livro fica a confirmação de uma certeza: a
mulher madura tem seus encantos e poderes, ganhos pela experiência da reflexão
e do próprio corpo, já sábio de desejos e prazeres. Conforme as autoras
ensinam, é também nesta idade que a mulher aprende a “usar o corpo menos como
uma arma de sedução e, cada vez mais, como morada confortável do próprio eu.”
Lição utilíssima para toda a vida.
Se para uns, mulher a quarenta graus assombra, para
outros atrai e seduz. Principalmente quando chega aos quarenta graus à
sombra...
Para terminar, convém dizer que embora o livro se estruture
de forma natural e alheio aos esquemas do mundo acadêmico ou científico,
obedece a um rigoroso projeto: o de ser ao mesmo tempo útil e agradável de ler.
Enfim, um livro como deve ser qualquer bom livro: inteligente.
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Mulher 40 graus assombra. Artigo crítico sobre o livro Mulher 40 graus à sombra. Reflexões sobre a vida a
partir dos 40 anos, de M. Lúcia
Pereira, Regina Pimentel e Mariana Fontes. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 10 nov. 97, p. 7.
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