EloqUência mineira
Otto
Lara Resende é um escritor mais conhecido do que lido. Nascido em uma data
simbólica, 1º de maio, de um ano igualmente emblemático, 1922, liberdade e
renovação literária estão associados ao dia do seu nascimento. A ironia é uma das
marcas deste autor, morto em 1992, aos setenta anos.
Na
verdade, o nome de Otto Lara Resende se tornou mais conhecido pela sua atividade
jornalística. Ele foi diretor do Jornal
do Brasil, da revista Manchete e
do grupo Globo. Associada ao prestígio destas funções, a sua atividade de
cronista, publicado em diversos jornais brasileiros, levou o seu nome ao grande
público. Mas a sua obra de ficção, nos gêneros conto, novela e romance, vem se
preservando distante deste mesmo público.
O
aligeiramento da sensibilidade e o reluzir das inteligências superficiais
incompatibilizam o melhor da obra deste escritor com as grandes audiências.
Explica-se: como ficcionista Otto Lara Resende é um artista em busca da
perfeição. Entre o constante retrabalhar dos seus textos e as concessões ao
fácil ele se mantém firmemente no primeiro propósito. Seus contos e novelas
sempre estiverem em estágio de laboratório, sendo revistos e melhorados livro
após livro.
Este
volume, A testemunha silenciosa, é um
exemplo eloquente de uma vida literária passada a limpo. Eloquência mineira,
onde o silêncio e o dizer preciso, econômico e contundente, resultam do domínio
absoluto da escrita.
Grandes
escritores brasileiros, desde a segunda metade do século passado, fizeram o
trânsito entre o jornal e o livro, enriquecendo a atividade jornalística com a
escrita bem elaborada, sendo capazes de transitar entre dois estilos
necessariamente diversos. Ao contrário de uma tradição que começa a se formar
agora, quando o estilo jornalístico, com sua circunstancialidade e suas
limitações, predomina sobre o improvisado escritor, autores como Otto Lara
Resende serviram-se da facilidade e da naturalidade do dizer, ganhas no dia a
dia do jornal, somando a isto o apuro rigoroso da expressão que somente os mestres
da escrita sabem tornar leve e aparentemente simples.
Não
se imagine, portanto, que a atividade jornalística retirou a densidade e a condição
de artífices exemplares daqueles que fizeram das redações de jornais a sua
escola primeira. O dizer objetivo e desempolado que marcou os modernos
escritores brasileiros, como Drummond ou Graciliano, para citarmos dois casos
diversos, pode ser explicado, talvez, pela busca de objetividade do discurso
jornalístico. Ou, vice-versa, a objetividade adquirida pelo discurso
jornalístico pode ser explicada pela dupla atuação destes escritores.
Assim,
em Otto Lara Resende, o exercício da crônica apurou a técnica da escrita
contundente e despida de rebuscamento barroco. Mas foi além da crônica que ele
atingiu a transmutação do artesanato em arte, fazendo dos seus contos a
celebração do ato da escrita.
A testemunha silenciosa
é um livro composto por duas novelas marcadas pelo tédio e pelo drama ordinário
do viver. A primeira, que dá nome ao livro, enfoca em profundidade a tragédia
do cotidiano, tecendo os fios da degradação patológica de uma família com os
ecos regionais dos acontecimentos políticos da chamada Revolução de 1930.
A
segunda novela, “A cilada”, é simultaneamente uma abordagem trágica e irônica
da avareza, trazendo uma contribuição das mais importantes ao tratamento do
tema. Publicada, inicialmente no volume coletivo Os sete pecados capitais, que nos anos sessenta reuniu o melhor das
nossas letras, esta narrativa foi retrabalhada para o livro As pompas do mundo, de 1975, e, segundo
Humberto Werneck, foi retomada pelo autor nos anos seguintes.
A testemunha silenciosa
reúne assim duas novelas já publicadas. A primeira apareceu em 1962, no livro O retrato na gaveta, com o título de “O
carneirinho azul”, tendo nesta nova versão, em que foi inteiramente refeita,
dado ênfase central — inclusive no título — ao eixo dramático que cerca o
protagonista da narrativa. Mas o constante labor de Otto Lara Resende, marcado
pelo apuro formal e pela consciência criativa, faz dos seus textos obras
verdadeiramente novas e ainda mais vigorosas.
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Eloquência
mineira. Artigo crítico sobre o livro A
testemunha silenciosa, de Otto Lara Resende. São Paulo, Companhia das
Letras, 124 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 12 ago. 96, p. 7.