De terras e lágrimas
_______________________________
Um menino
que viveu
os primeiros
momentos do avanço
alemão sobre a Europa,
mais de meio século
depois,
conta a história vivida
e gravada
no próprio corpo.
_______________________________
Embora não pretendesse
fazer literatura, o material ditado pela memória, impôs certos recursos
perpassados pela subjetividade que são estranhados à rigorosa arquitetura do
discurso científico.
Uma conhecida canção
francesa ou belga, dos anos da guerra, que ganha atualidade nos nossos dias,
introduz o discurso: "Tudo vai bem, tudo vai muito bem, é preciso que eu
vos diga. Tudo vai bem, mas seus animais de criação morreram, seus bens se perderam,
seus parentes se suicidaram. Fora isso, tudo vai bem".
A ironia da canção,
transposta de um momento para outro, ilustra a ótica das vítimas de guerra.
Apesar dos conflitos, o mundo continua; os que não foram atingidos ostentam o
seu alívio e a sua felicidade. As tragédias particulares de muitos não são
suficientes para interromper a irônico curso da vida: "Tout va très bien
madame la marquise, / tout va très bien, il faut pourtant que je vous
dise..."
Embalados pelos sons
desta canção, os personagens referenciais do livro, Max e Lisa, pais do pequeno
Arnold, saem do cinema. Ora, esta cena inicial da narrativa, que lembra um
recurso literário de introdução dos acontecimentos, é, de fato, uma cena real.
E, desde aí, a compulsão investigativa do autor do livro se faz sentir. A
partir de jornais da época, A. S. Scheinowitz identificou até mesmo o filme que
estava passando, quando seus pais viviam um dos últimos momentos de tranquila
ilusão.
Com este episódio é
possível dar uma mostra do longo trabalho de levantamento feito pelo autor. Se
até mesmo detalhes pessoais não foram descuidados, o mesmo critério confere
valor às suas conclusões sobre o papel dos franceses, como bem comportados agentes
no cumprimento das tarefas sujas que lhes foram reservadas pelos nazistas. O
capítulo "Os caçadores são franceses" é o ponto de partida do libelo
de Scheinowitz sobre o envolvimento da França no processo de aniquilamento dos
judeus.
Publicado na Bélgica, e
ainda inédito em português, o livro De
terre e de larmes, de A. S. Scheinowitz será lançado às 18:30 de amanhã, no
Museu Geológico da Bahia, como parte dos eventos do XIII Congresso Brasileiro
de Professores de Francês.
____________________________
De terras e lágrimas. Artigo crítico sobre o livro De terre e des armes, de A. S.
Scheinowitz. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 3 ago. 98, p. 7.