Ciência e saber
O físico Albert Einstein, apesar de ter
sido um dos cientistas mais importantes do século, não criou uma barreira entre
o seu trabalho e a sua condição de ser social. Deste modo, pôde compreender as
questões básicas das ciências humanas para, enquanto homem, apresentar a sua
visão do mundo circundante.
Até aí nada torna as ideias de Einstein,
quando elas extrapolam as fronteiras da sua disciplina, mais importantes do que
a de outras pessoas; mas o rigor científico e a inteligência do autor fazem com
que ele trate de questões alheias à física como um estudioso perspicaz. A sua
reflexão crítica aproxima-se da dos filósofos, nos levando a ceder ao velho
mito da genialidade do autor da teoria da relatividade.
Mesmo tratando de questões que vão dos
fundamentos da física teórica à religião, passando pelas questões raciais, pela
educação e pelos problemas sociais, os
Escritos da Maturidade de Einstein, publicados pela Nova Fronteira,
constituem um esforço de sistematizar a experiência diversa, possibilitando o
entendimento mais preciso.
Quando aproximo o seu método de
abordagem e compreensão crítica dos problemas circundantes, da atitude do
filósofo, é porque a reflexão de Einstein, mesmo em circunstâncias
corriqueiras, é sempre a de um estudioso, de um cientista. A compreensão
rigorosa dos assuntos tratados permite a sua inserção num sistema mais amplo.
Sua definição de ciência cria maior
identidade entre as ciências da natureza e as da cultura, as chamadas ciências
humanas e sociais, incluindo-se aí o trabalho da filosofia. Para ele, “ciência é o esforço de reunir, através do
pensamento sistemático, os fenômenos perceptíveis do mundo, numa associação a
mais completa possível”. E para reforçar tal definição, ela é caracterizada
ainda como a “tentativa de fazer a
diversidade caótica de nossa experiência sensorial corresponder a um sistema de
pensamento logicamente uniforme”. Creio que a epistemologia não propõe
reparos a este conceito.
Se tomarmos as diversas intervenções de
Einstein que constituem os Escritos da
Maturidade, veremos o quando preciso é o seu enfoque dos diversos objetos.
Quando ele fala, por exemplo, de questões como “A linguagem comum da ciência”,
procura sustentação no saber da linguística. Seu enfoque aponta para o
fundamento filosófico da compreensão da linguagem, que permitiu a Saussure
sistematizar a linguística moderna.
Escritos
da Maturidade é um livro dirigido a todo e qualquer leitor
inteligente. Se mais de cem páginas são dedicadas à física, outras tantas
tratam de disciplinas humanísticas ou, ainda, de fatos do cotidiano que
interferiram na vida do autor. A sua condição de judeu – e de emigrante num
período de conflitos e guerras – fez com que os problemas raciais merecessem
especial atenção.
E como não poderia deixar de ser – um
judeu sempre se preocupa com a economia – Einstein justifica a sua intromissão
em problemas das ciências econômicas. Assim é que surge o artigo “Por que o
socialismo?”.
Com o fim da ditadura comunista do leste
europeu, as pessoas esqueceram a necessidade da sociedade dispor de
instrumentos capazes de coibir a exploração do homem pela usura do capital. É
como se os erros de implantação do socialismo praticados pelo desvario de uma
ditadura do proletariado autorizassem aos detentores do capital liquidar as
classes trabalhadoras, reduzindo-as a escravos da nova era.
Os políticos identificam o aumento de
privilégios concedidos aos grandes grupos econômicos com a noção de
modernidade. Todo e qualquer instrumento social de defesa do bem-estar da
maioria é identificado com o atraso; e a salvaguarda dos interesses da minoria
é apontada como fundamento do liberalismo mais moderno.
Einstein nos lembra que os animais
dispõem de instintos rigidamente observados e de traços hereditários capazes de
assegurar o atendimento das necessidades básicas, enquanto os homens não
conseguem atrelar o seu desenvolvimento social às necessidades biológicas.
Assim, o ser humano é mais dependente de uma organização social fundada na
convenção e nas leis de proteção ao indivíduo.
Se a sociedade, como um todo, não
dispuser de meios para coibir a ação predadora de indivíduos ou grupos organizados,
a vida e a dignidade humana estarão ameaçadas. A força de indivíduos em
sociedades animais é colocada a serviço da espécie, mas esta mesmo força no
caso humano é utilizada para a escravização do mais fraco.
Einstein diz que “a anarquia econômica da sociedade capitalista tal como ela existe hoje
é a verdadeira fonte do mal. Vemos diante de nós uma imensa comunidade de
produtores cujos membros lutam para despojar uns aos outros dos frutos do seu
trabalho – não pela força e sim pelo fiel cumprimento de normas legalmente
estabelecidas.” O capital tende a se concentrar cada vez mais em poucas
mãos e o enorme poder desta oligarquia, quando incentivado pela debilitação
econômica do estado, não pode ser controlado pela sociedade democraticamente
organizada.
“A
produção é orientada para o lucro, não para o uso”, e o
progresso tecnológico “em vez de aliviar
a carga de trabalho para todos, resulta em maior desemprego”. Por isso ele
defende o que chama de economia planejada, com o ajuste da produção às necessidades
da comunidade.
Talvez as reflexões de um homem como
Alberto Einstein sejam mais inteligentes do que a do neoliberalismo.
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Ciência e saber. Artigo crítico sobre o livro Escritos da maturidade, de Albert Einstein. Coluna “Leitura Crítica”
do jornal A Tarde, Salvador, 15 dez.
97, p. 7.
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Correspondências para
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