Amores latinos
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Retomando a publicação
de escritores hispano-americanos,
a Mercado Aberto traz de volta
Horacio Quiroga,
com História de um louco amor.
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O nome de Horácio Quiroga (1878-1937) chegou até nós
através de Júlio Cortázar. No conhecido ensaio “Do conto breve e seus
arredores”, difundido no Brasil desde que foi traduzido no livro Valise de cronópio, Cortázar reporta-se
às preocupações teóricas de Quiroga para falar da sua própria técnica e
formular uma teoria do conto. O conceito de esfericidade
pode ser encontrado na exigência de unidade instaurada por Quiroga ao construir
o conto como um microcosmo.
Em 1994, o contista Sergio Faraco traduziu para a coleção
Descobrindo a América, da Mercado Aberto, Vozes
da Selva, expressiva recolha de nove contos extraídos da vasta obra do
escritor uruguaio.
Agora, na mesma coleção, e com rigorosa tradução de
Faraco, aparece História de um louco amor.
O livro revela-nos um outro Horácio Quiroga, artesão de narrativas mais
alentadas. O crítico Pablo Rocca, responsável por elucidativos estudos da obra
e da vida do autor, nas suas edições da obra de Quiroga, procurou se manter
fiel ao texto quiroguiano e, ao mesmo tempo, chamar atenção do leitor para a
possível dicotomia Quiroga contista – Quiroga romancista.
Não obstante o autor ter-se considerado um romancista
falhado, Rocca confere destaque às suas incursões pela narrativa longa,
inclusive pelos romances sentimentais escritos para consumo de um público
grosseiro.
História de um louco
amor,
embora seja uma obra de tema sentimental, registra uma fatura artesanal
bastante diferenciada, seguindo a vertente dos contos quiroguianos. O autor via
o texto como um conto longo (que os espanhóis chamam de “novela corta”), muito
embora no posfácio de Pablo Roca apareça classificada como romance.
Com cerca de oitenta páginas e dividido em vinte e cinco
pequenos capítulos, o texto ultrapassa os limites formais do conto. Comumente,
define-se como sendo conto, uma narrativa centrada em número reduzido de
personagens que atuam num mesmo ambiente. Tem-se então uma ação transcorrida em
lugar e tempo determinados; diferentemente da novela, que apresenta uma sequência
de situações, ou mesmo de contos, unidos por um fio condutor: o destino dos
personagens.
Vidas secas, de
Graciliano Ramos, embora às vezes chamada de romance, é uma obra constituída
por vários contos com focos narrativos voltados para diversos momentos e
situações de vida de uma família nordestina atingida pela seca. Trata-se de uma
construção novelística exemplar.
Já o texto de Quiroga, na sua multiplicidade de tempo e
de lugares, pode ser comparado a uma obra de Machado de Assis, O Alienista, incluída num livro de
contos e, há algumas décadas, publicada isoladamente. Tanto a extensão quanto a
multiplicidade de situações transformam o conto que o autor tencionava escrever
numa novela. O mesmo se dá com História
de um louco amor, concebida inicialmente para ser um conto.
O leitor desta narrativa, mesmo desconhecendo pormenores
da biografia de Horácio Quiroga, percebe um trânsito de mão dupla entre ficção
e realidade. Criação e autobiografia se cruzam na texto. Na “Cronologia
biobibliográfica” escrita por Pablo Rocca para Vozes da selva, encontramos alguns dados que reaparecem no texto de
ficção.
A novela conta a história amorosa de Rohán e seu
envolvimento com duas irmãs. Quando o protagonista tinha vinte anos torna-se
amigo, muito próximo, de Mercedes, dois anos mais nova do que ele, percebendo
então o apaixonamento infantil de Eglé, com apenas nove anos. Tendo partido
para a Europa, onde viveu por oito anos, Rohán volta a frequentar a casa da
amiga Mercedes. Homem de vinte e oito anos, ele recorda o amor infantil de
Eglé, agora uma bela moça de dezessete.
Mercedes, indefinida atração, e Eglé, sedução
irresistível, constituem objetos de um dilema amoroso. A história é simples,
mas cheia de atrativos. Evitemos aqui adiantar os acontecimentos, para
preservar a curiosidade do leitor.
Voltemos então à presença de fatos autobiográficos nesta
história “de un amor turbio”. A vida
sentimental de Quiroga, como pode-se ler na cronologia traçada por Rocca, é
bastante “turbia”, incerta e
turbulenta. Por volta dos trinta anos de idade, professor da escola normal,
envolve-se com uma aluna, de apenas quinze, com quem se casa dois anos depois.
A primeira filha é batizada com o nome de Eglé. Horácio
Quiroga e Ana María, quando se casam, tinham idades correspondentes às de Rohán
e Eglé, personagens da novela.
A exemplo do que ocorreu com o homem Horacio Quiroga, o
personagem Rohán vive algum tempo em Paris e, na volta, envolve-se com a irmã
da sua amiga, que conheceu aos nove anos. O personagem salta de uma amor
proibido, quase incestuoso, com a irmãzinha da sua quase primeira namorada,
para um namoro consentido. O homem percorreu caminho parecido, apaixonando-se
por uma quase menina, sua aluna.
Na vida desventurosa do escritor, a primeira mulher põe
fim à relação com o suicídio; o mesmo acontecendo, anos depois, com três filhos
de Quiroga, dois nascidos do casamento com Ana María. O próprio escritor
termina seus dias tomando veneno, por não suportar a enfermidade.
Vidas tumultuadas como estas encontram alguns pontos de
identidade com os desencontros afetivos, as neuroses e infelicidades que constituíram
o destino dos personagens de História de
um louco amor.
Embora a Mercado Aberto, de Porto Alegre, tenha no seu
catálogo obras do maior interesse, a distribuição na Bahia é precária. Nesta
coluna já tratamos de vários títulos da editora, como A porteira do mundo, de Hermilo Borba Filho, O quatrilho, de José Clemente Pozenato, Os ossos da noiva, de Charles Kiefer, Os senhores do século, de Assis Brasil, Os náufragos da terra, de Soria Machado, alguns livros de contos e
traduções de Sérgio Faraco, além de uma dezena de outros títulos. Para
contornar o problema da distribuição que, a princípio, se apresenta para todas
as pequenas editoras, ou para as de porte médio de âmbito regional, o leitor
poderá recorrer às livrarias virtuais (na internet) ou solicitar um catálogo
atualizado diretamente aos editores.
PÓS-ESCRITO
Além de História de um
louco amor, já foram publicados no Brasil cinco títulos de e sobre
Horacio Quiroga, a exemplo do Decálogo
do perfeito contista, edição organizada por Sérgio Faraco e publicada
na cidade gaúcha de São Leopoldo, pela Universidade Unisinos, em 1999. O volume
reúne, além dos famigerados dez mandamentos para se escrever contos, traz ainda
as reflexões de dez contistas brasileiros contemporâneos sobre esta teoria
normativa do conto elaborada por Quiroga. A editora Mercado Aberto, de Porto Alegre,
é responsável pela edição de três livros do autor. Além de História de um louco amor (1998),
publicou Passado amor (1999)
e Vozes da selva (1994).
Também em Porto Alegre, a L&PM editou Uma estação de amor (1999), devendo-se todos estes livros ao
trabalho de tradução e organização do mesmo Sérgio Faraco. [Nota acrescentada a
esta reedição on line do artigo]
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Amores latinos. Artigo crítico sobre o livro História de um louco amor de Horácio
Quiroga. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A
Tarde, Salvador, 8 jun. 98, p. 7.