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ANTINOMIAS CUBA:

POVO E POESIA

 

 

Todo regime de força, seja ele destinado a preservar os privilégios das minorias ou a assegurar a dignidade da maioria, comete equívocos irreparáveis. Em Cuba, não poderia ser diferente. O esforço de alguns líderes da Ilha de construir uma sociedade justa e livre da servilidade imposta aos pequenos países, pelos norte-americanos, apresenta resultados que a história levará para o futuro, embora também registre acontecimentos indesejáveis.

A história do socialismo, que como doutrina é a síntese mais moderna da grandeza humana, está marcada por equívocos desastrosos para a sua aceitação. Todas as tentativas de levar ao homem a ideia de igualdade de direitos foram destruídas pelos métodos empregados. Assim, o fim de milênio é marcado pelo triunfo da injustiça e da falta de perspectiva para a sociedade como um todo.

Os defensores da igualdade dos homens deram aos príncipes do capital argumentos para justificar a sua ambição de domínio dos povos. Governos de países viáveis destroem o futuro da sua gente, entregando aos senhores do capital o que ainda poderia ser de muitos. No nosso país, por exemplo, os bens comuns e de todos nós, representados pelos bens do Estado, são vistos como impropriedades. Políticos e pensadores preferem que estes bens sejam de poucos, arrancando o pouco que restava a muitos. Se o petróleo, a energia e outras riquezas da nação poderiam assegurar uma vida menos penosa ao seu povo, a transferência dessas riquezas para os que já acumulam muito inviabiliza a melhoria do nível de vida da maioria.

Enquanto reconhecem a injusta concentração do capital, os meios de comunicação e os políticos com poder de decisão continuam trabalhando para que esta concentração seja maior ainda. É por isso que este fim de milênio é marcado pela injustiça e pela falta de perspectiva.

Os erros dos socialistas que poderiam mudar o rumo da história foram fatais e deram força ao capitalismo mais selvagem que hoje se intitula de neoliberalismo. Se o tempo ainda fosse de profetas, estes o intitulariam de apocalipse dos homens.

Enquanto no plano social e econômico o insucesso de uma ordem mais justa abriu o caminho para a injustiça, no plano intelectual, os equívocos cometidos em nome deste nova ordem, a ser estabelecida, também nos fazem juntar os destroços.

Com o triunfo da revolução cubana, os vencedores voltaram-se contra tudo aquilo que foi herdado do velho regime. No plano das ideias e das artes, as conquistas e os avanços até então obtidos foram desdenhosamente recebidos. É por isso que se exigiu da literatura cubana pós-revolucionária uma submissão total aos ideias e princípios do governo de Havana. A poesia que desvendava os incertos desvãos da subjetividade foi vista como hermética e desprovida de função social.

A geração de poetas oficiais do final dos anos cinquenta até os anos setenta tem como traços comuns o chamado “coloquialismo”, que em Cuba era sinônimo de pouca profundidade, ausência de reflexão introspectiva, horror às figuras de linguagem e às conquistas formais, tanto da poesia clássica quando da moderna. Somente com a total saturação desta poesia dita engajada, novas vozes viriam a renovar a literatura cubana. É neste espaço que se insere a obra de Virgilio López Lemos, ensaísta, estudioso, e, sobretudo, poeta.

O livro Cadernos de otredad, traduzido para o português por José Eduardo Degrazia e publicado pela Editora Tchê!, afirma um poeta da melhor qualidade e capaz de vencer os desafios da sua circunstância. Mesmo sem abrir mão dos valores da estética socialista, Virgilio López Lemus realiza uma poesia que ultrapassa as suas circunstâncias e se inscreve no lugar do que é permanente.

No texto “Poética”, Virgilio reafirma a sua crença na vida, da qual a arte é apenas uma parte. Ao contrário do que pensam os enclausurados nas torres de marfim e de palavras mortas, o poeta insiste: “A vida de uma criança / emociona mais que um poema”.

Mesmo quando submete o fazer poético à vida, Virgilio López Lemos confere dignidade e grandeza à sua arte, como vemos neste poema publicado em Concierto español, que aqui traduzimos para o português.

Aí está a diferença da sua poesia para a poesia cubana oficial, da geração anterior, quando a concepção de uma arte revolucionária era apenas uma forma de tornar os artistas cumpridores de tarefas partidárias. A propaganda da revolução era a função principal da literatura ou da arte cubana.

O dito era o mais importante, negligenciando-se o como dizer. Sabemos que o modo dizer redimensiona o que é dito, evitando a repetição das mesmas ideias pré-formadas. A arte verbal conduz a novas concepções a partir das pequenas nuances de sentido instauradas pelo modo de dizer.

Quando a intelligentsia comunista, quer na Rússia de Stálin ou na Ilha de Fidel, pretendeu impor ordens e compromissos às atividades inventivas do espírito, os resultados foram desastrosos. O pensamento criador é ave silvestre, quando aprisionado em gaiolas para a exibição do seu canto, silencia o encanto. Por isso mesmo é que a poesia de Cuba se livrou do coloquialismo cumpridor de tarefas para adquirir uma expressão mais verdadeira.

O leitor brasileiro tem o melhor da literatura cubana em verso nestes Cadernos de Otredad, fruto da maturidade poética de Virgilio. Suas viagens pelo mundo, ou mesmo suas viagens interiores por temas como a solidão, o amor e o sexo, encontram a desejada expressão poética em textos vertidos para a nossa língua por um outro poeta, o gaúcho José Eduardo Degrazia.

Convém dizer que Degrazia também se afirma poeta quando se faz porta voz de outros poetas; quer seja Virgilio, quer sejam os novos poetas italianos, dos quais é o tradutor brasileiro.

Cadernos de otredad é um livro que nos traz dois níveis de poesia. A poesia do autor e a poesia do tradutor. Cadernos de poesia, portanto.

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Antinomias de Cuba: povo e poesia. Artigo crítico sobre o livro Cadernos de outredad,  de Virgilio López Lemus. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 nov. 97, p. 7.

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Correspondências para esta coluna:
R. Alberto Pondé, 147/103. CEP 40.280-630,
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