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A crítica

de David Salles

 

A atividade crítica exercida em jornais baianos, desde o início do século, revela, a um só tempo, o nível da produção literária local e o gosto da província no que diz respeito à recepção de obras nacionais e estrangeiras.

Com o declínio do hábito de leitura entre a população do nosso estado, os jornais também reduziram os espaços dedicados à discussão de livros. Observe-se que as resenhas literárias, sejam elas resenhas críticas ou informativas, funcionam como um termômetro do nível de leitura de um povo.

Nos países europeus, onde o hábito de ler é comum, mesmo entre as populações que vivem afastadas dos centros urbanos, não somente os jornais, mas as emissoras de rádio e de televisão mantêm programas sobre acontecimentos científicos e culturais, livros e outros assuntos. Nos mesmos horários, no Brasil, são transmitidos programas de grande audiência, mostrando brigas entre vizinhos, xingamentos entre casais, deformidades aberrantes etc.

Países europeus menos desenvolvidos, como Portugal, onde a atividade rural familiar apenas supre a sobrevivência, também cultivam o hábito de leitura. A rádio e a televisão portuguesas contratam renomeados intelectuais para apresentar programas de alto nível formativo e informativo.

É evidente que, no Brasil, isto seria um grande fracasso comercial. Nenhuma emissora deixaria de colocar no ar bem-sucedidos campeões de audiência, para produzir um programa discutindo livros e ideias com Antonio Houaiss, Jorge Amado ou qualquer outro intelectual, por mais respeitado e famoso que seja.

Os temas de interesse do Brasil são evidentemente outros.

Mas nem tudo está perdido. De forma isolada, aqui e ali, os jornais ainda publicam textos sobre literatura. A Folha de S. Paulo traz excelentes artigos no caderno “Mais”, O Estadão, mesmo tendo suprimido as três páginas de sábado sobre literatura, ainda publica bons textos. Isto sem falar em suplementos literários publicados na Bahia (A Tarde Cultural), no Rio Grande do Sul e no Ceará, todos nacionalmente conhecidos.

No caso baiano, convém lembrar uma tradição criada pelo jornal A Tarde. Independentemente dos suplementos literários, este jornal abrigou em suas páginas conhecidos “rodapés de crítica” que entraram para a história da literatura.

Na primeira metade do século, Carlos Chiacchio publicou, de 1927 a 1946, a coluna Homens e Obras, com fortes implicações no modernismo regional. Chiacchio foi substituído por Heron de Alencar, professor universitário que publicou artigos de crítica literária em A Tarde, embora sem a constância do seu antecessor.

Coube a David Salles dar continuidade a este trabalho, assinando as colunas ´Crítica de Rodapé´, de periodicidade semanal, e, logo em seguida, ´Enfoque da Crítica”, de publicação quinzenal.

Antes de ter sido convidado, nos anos 70, pelo jornalista e historiador Jorge Calmon, para fazer crítica literária em A Tarde, David Salles publicou no Jornal da Bahia, onde se iniciou no jornalismo, ao lado de companheiros de geração, como Glauber Rocha, João Carlos Teixeira Gomes, João Ubaldo Ribeiro e outros.

Convém lembrar que esta geração se dividiu entre o jornalismo, a literatura e o cinema, tendo sido responsável, não apenas pela renovação do jornalismo baiano quanto da arte brasileira.

O trabalho crítico de David Salles, escritor falecido em 1986, aos 48 anos, vem sendo resgatado em pesquisa da professora Itana Nogueira Nunes, da Uneb. Como parte do seu projeto de mestrado, sobre nossa orientação, Itana procedeu ao levantamento dos textos dispersos de David Salles na imprensa baiana e em jornais como O Estado de S. Paulo e o Minas Gerais Suplemento Literário, com os quais colaborou.

Os textos de crítica de David Salles serão reunidos em livro, para que não se percam dispersos em fontes de difícil consulta. Por outro lado, alguns deles serão publicados neste espaço, a partir da próxima semana. Destas publicações, surgirá o primeiro volume de obras críticas de David Salles que, em breve, estará pronto para encaminhamento a um editor.

Espera-se que, desde a organização dos originais até a identificação de um editor, não se passem muitos anos, como os que se passaram desde a morte de David que, além da sua crítica de jornal, deixou inéditos alguns livros.

Como, em decorrência de compromissos profissionais na universidade, estarei afastado da coluna “Leitura Crítica” até o próximo ano, a publicação dos textos de David Salles emprestará mais densidade e inquestionável nível intelectual a este espaço. Trata-se de uma dupla homenagem. Homenagem à memória do crítico e escritor David Salles. Homenagem à sensibilidade e ao bom gosto do leitor de A Tarde.

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A crítica de David Salles. Artigo sobre a atividade do autor da seção “Crítica de Rodapé”. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 9 nov. 98, p. 7.


































 
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