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O vigor do conto
Organizada
por Valdomiro Santana, a antologia O
conto baiano contemporâneo tem um mérito inegável: deixar mais uma vez
patente a alta qualidade da ficção produzida na Bahia. Com a falta de editoras
e de uma política oficial voltada para o livro, o baiano perdeu de vista o
conjunto da sua produção intelectual. Os melhores escritores baianos, quase
sempre, publicam em outros estados, o que associou o bom livro ao mercado
editorial do eixo Rio-São Paulo ou aos estados de Minas e Rio Grande do Sul.
Neste último, além dos catálogos de editoras do porte da L&PM e da Mercado
Aberto, o governo do estado publicou, através do Instituto Estadual do Livro,
só no ano passado, mais de cinqüenta títulos, o que pode servir de referência
para o atual governo baiano. Esta
coletânea reúne dezessete contistas, muitos deles de renome nacional e internacional.
Jorge Amado, Adonias Filho, Herberto Sales, Jorge Medauar, Vasconcelos Maia,
Euclides Neto, Ariovaldo Matos, Hélio Pólvora, Sonia Coutinho, Antonio Torres,
Ricardo Cruz, Ildásio Tavares, João Ubaldo Ribeiro, Marcos Santarrita, Ruy
Espinheira Filho, Guido Guerra e o próprio organizador, Valdomiro Santana, que
também se antologisa. O
conto de Adonias Filho, “Um avô muito velho”, dá uma visão precisa da densidade
e do poder narrativo deste nosso grande ficcionista que, ao lado de Jorge
Amado, representa o ponto alto da literatura na Bahia. “O morrinho”, de
Herberto Sales, é sem dúvida uma excelente escolha. Conto denso e bem talhado,
constitui uma escolha acertada. De
Ariovaldo Matos, escritor competente mas pouco conhecido, foi selecionado o
instigante conto “Cartas de Bochum”, enquanto o conhecidíssimo João Ubaldo
Ribeiro comparece com “Era um dia diferente quando se matava porco”, uma mostra
do melhor deste escritor. “Sol”, de Vasconcelos Maia é outro conto excelente, o
que nos lembra a necessidade urgente de republicação da obra deste escritor. A
Universidade, através das suas pesquisas de pós-graduação, tem o dever de empreender
uma revisão crítica de obras notáveis, porém pouco difundidas, de escritores como
este e outros. Euclides
Neto, político e cronista de boa prosa, atuante na imprensa do interior e da
capital, mostra que é um contista de qualidade, justificando plenamente a
inclusão do seu nome na antologia com “Última caçada”. “As tigelas”, de outro
político-escritor, Jorge Medauar, traz para o leitor de agora a narrativa
esquecida desde velho e bom prosador da geração de 45. Entre
tantos contos de excelente qualidade, não se pode esquecer “Além do umbral”, de
Hélio Pólvora, este mestre do gênero. Outros exemplos poderão ser destacados pelo
leitor desta coletânea tão rica e de leitura tão agradável. Apesar
da sua qualidade, a antologia comporta alguns reparos por parte do leitor que
pode apontar a ausência de outros contistas, como Maria da Conceição Paranhos,
Carlos Ribeiro, Ciro de Matos, Antonio Brasileiro, Helena Parente Cunha... Não
esqueçamos que Helena Parente Cunha é autora de um dos livros mais inovadores
do conto brasileiro, Cem mentiras de verdade.
As pequenas “histórias” deste livro derrubam os limites entre a narrativa e a
exaltação lírica, aproximando o conto do poema e transformando o poder de
síntese e condensação do discurso poético em elemento da narrativa. O caráter
experimental e ao mesmo tempo altamente criativo deste livro de Helena torna
seu nome obrigatório em qualquer antologia do conto brasileiro contemporâneo. Como
o organizador não torna explícitos os critérios adotados para a seleção, tanto
podemos lembrar de nomes incompreensivelmente não incluídos, quanto podemos questionar
a inclusão de outros. Por
outro lado, falta na página de informações sobre os autores, dados mais completos.
As notas parecem demasiadamente apressadas, quando poderiam permitir ao leitor,
dado o caráter da antologia, um conhecimento geral de cada autor. Falta mesmo,
em muitos casos, a identificação da obra ou da fonte da qual foi retirado o
conto. O enriquecimento destas notas tornaria o volume ainda mais útil nas
salas de aula, onde a antologia será usada. Este é uma obra da maior
importância e, ao mesmo tempo, uma leitura que proporcionará prazer aos mais
diversos leitores. Aqui na Bahia e em qualquer parte em que seja lida. Pena
que os livros editados pelo poder público não circulem nas livrarias. Espera-se
que esta coleção — “As letras da Bahia”, resultado de trabalho conjunto da
Secretaria da Cultura e Turismo e da Fundação Cultural com a Empresa Gráfica da
Bahia — tenha melhor destino. Todos nós recebemos a notícia do lançamento da
coleção com a maior expectativa, uma vez que os dois últimos governos não
incluíram entre as suas metas um programa voltado para o livro. Quase
sempre, a ausência de pessoas comprometidas com o livro entre os titulares de
cargos executivos de relevo faz com que este pequeno objeto seja posto à margem
das prioridades. Mesmo quando se publica alguma coisa entre nós, o trabalho se
esgota na impressão do livro; quando uma política editorial elaborada por
profissionais põe em relevo a divulgação e a distribuição do produto. Sem estas
duas etapas, não se pode dizer que um livro não foi. Ele apenas foi impresso. Chamar
atenção publicado deste fato é um
dever de quem se dedica ao livro, porque toda crítica honesta aponta caminhos
para corrigir falhas. A
Egba tem condições de liderar este trabalho editorial agora iniciado pelo governo,
já que o seu atual Diretor sempre se dedicou às atividades editoriais. Como o
titular da Secretaria da Cultura e Turismo é um destacado homem da área do
turismo e o Diretor da Fundação Cultural é um administrador voltado para a
diversidade de áreas cobertas pela Fundação, o gerenciamento da coleção “As
letras da Bahia” poderia ficar com o titular da Egba. Ainda
é tempo, também, de se vincular a Coleção a uma Editora de porte nacional, para
assegurar a sua distribuição. Somente uma coedição entre a Egba e uma grande
editora, com sistema de distribuição própria, asseguraria a circulação dos
livros, uma vez que a Egba, por si só, não tem expressão editorial suficiente
para assegurar a inclusão dos títulos da Coleção num catálogo. Se
este impasse burocrático for resolvido, sairemos ganhado todos nós, os simples
cidadãos baianos que nos preocupamos com o livro e os dirigentes dos órgãos
públicos. Ganharemos nós porque teremos o livro baiano publicado (não apenas impresso) e circulando nacionalmente.
Ganharão os administradores públicos porque realizarão um trabalho efetivo e
que será, sem dúvida, reconhecido. Enquanto
isso, uma pequena sugestão: melhorar o planejamento gráfico da Coleção,
inclusive tirando da folha de rosto o logotipo onde aparece escrito: “As letras
da Bahia, terra da cultura e da alegria”. Ora, aqui é a terra de Castro Alves e
do Olodum, mas essa coisa rimada no frontispício de um livro é de péssimo
gosto. Pode até servir para fazer propaganda de cerveja ou de festa de largo,
mas... ____________________________________ O vigor do conto. Artigo crítico sobre o livro O conto baiano contemporâneo, de Adonias Filhos e outros. Salvador, Egba, Secretaria da Cultura e Turismo, 1995. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 15 jan. 96, p. 7. |
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