A TRADUÇÃO COMO CRIAÇÃO
POÉTICA
Traduzindo sua experiência
pessoal em relato, Ildásio Tavares publica pela coleção Casa de Palavras, da
Fundação Casa de Jorge Amado, o livro A
arte de traduzir. O foco se volta para a tradução de textos literários,
embora as discussões levadas a termo possam ser assimiladas por qualquer
tradutor interessado em ampliar sua perspectiva e fazer do seu ofício uma arte
– uma busca de soluções criativas e adequadas ao objeto visado.
Ildásio Tavares é antes de
tudo um criador. Como poeta, como romancista ou como compositor popular, o
invento é a sua marca distintiva. Como tradutor, a marca da grei responde
presente. Não se trata, portanto de um livro de receitas para a tradução, mas
de um relato dando conta da sua experiência como tradutor de textos literários.
Tornando-se professor de
inglês de um curso mantido pelo governo norte-americano, aos dezesseis anos, o
autor deste livro experimentou, desde cedo, a atividade docente e a atividade
da tradução, estimulada em concursos visando despertar o senso crítico e
criativo de pessoas que, em vários países, se dedicavam ao ensino do inglês
como segunda língua. Data desta época o seu aprendizado de fonética, então em
plena ebulição nos meios lingüísticos dos Estados Unidos. Depois, as noções de
versificação clássica e moderna vieram contribuir para o artesanato da
linguagem.
Neste livro, são analisados
textos em espanhol, francês e inglês, em contraposição com a sua versão para a
língua portuguesa. A ambição do autor é maior ainda do que a do tradutor de
textos técnicos. Enquanto este tipo de tradução visa a uma reconstrução, o
tanto quanto possível, objetiva e fiel de um modelo anterior, o tradutor de
textos literários quer atingir em outras línguas a essência de uma língua única
e modelar: a língua da invenção artística.
Ao analisar traduções de
poemas de Shakespeare ou de Edgard Allan Poe, o livro nos mostra os complexos e
sinuosos caminhos percorridos pelo tradutor. Diante de soluções díspares
encontradas para recriar em outra língua poemas famosos, como “O corvo”, de
Poe, por exemplo, Ildásio radicaliza o seu discurso afirmando que para bem
traduzir um gênio é necessário outro gênio. Assim é que reputa a tradução de
Fernando Pessoa como a mais bem feita do texto norte-americano. Além de
profundo conhecedor das duas línguas – a língua original e a língua meta – o
tradutor encarnava em Pessoa o artesão capaz de reunir a fisiologia e a
filosofia da composição.
Após reconhecer a
genialidade de Pessoa e as suas qualidades de tradutor, o nosso autor, numa
atitude que lhe é bem peculiar, resolve confrontar a tradução pessoana do poema,
também de Poe, “Annabel Lee”, com a sua própria tradução, denominada “Anabela
Sem Par”. Aí, analisa criticamente as soluções encontradas pelo tradutor
Fernando Pessoa e aponta outras soluções que lhe pareceram mais adequadas e de
acordo com a criação de Poe.
O confronto é útil e
instrutivo, tanto neste caso, como no caso de outras traduções.
Mesmo tendo traduzido para o
português um “clássico” da narrativa de ficção, As viagens de Gulliver, de Swift, o autor de A arte de traduzir não dá ênfase à tradução da prosa, preferindo se
deter em um desafio ainda maior: a poesia. Mas não deixa de incluir aí
eventuais experiência em composições populares brasileiras, vertidas para o
inglês ou para o francês.
Aos interessados na técnica
e na arte de traduzir um texto, vale a pena o diálogo com o livro que relata a
experiência deste singular professor e tradutor: o poeta, romancista e
compositor Ildásio Tavares.
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Ildásio Tavares. A Arte de Traduzir. Salvador, Fundação
Casa de Jorge Amado, 1994. | A tradução como criação poética (resenha de
livro). Coluna “Crítica & Idéias”, do jornal A Tarde, Salvador, 28 nov. 94, p. 5.
REVISTAS UNIVERSITÁRIAS
As revistas universitárias
constituem um meio de estender à comunidade o conhecimento produzido ou
reproduzido no meio acadêmico. Em um estado como a Bahia, onde falta uma
política editorial competente tanto por parte do governo do estado quando das
universidades, e onde a iniciativa privada não mais se aventura no mercado
editorial, estas revistas são o único meio encontrado pelos docentes e
pesquisadores de darem contra do seu trabalho.
Duas publicações desta
natureza acabam de ser impressas: Estudos
Linguísticos e Literários, do Mestrado em Letras da Universidade Federal da
Bahia, e Consciência, da Universidade
do Sudoeste da Bahia.
Estudos
Linguísticos e Literários cumpre um caminho relativamente longo,
em se tratando de revistas: são dez anos de circulação, sem interrupção, embora
a periodicidade não seja rigorosamente observada. Sem um apoio sistemático da
própria Universidade, para assegurar a sua sobrevivência, a revista se mantém
graças a persistência de uns poucos professores responsáveis pela sua
publicação, destacando-se o editor e o co-editor, as professoras Celina
Scheinowitz e Evelina Hoisel.
Este número 16 de Estudos é dedicado à francofonia,
trazendo ensaios de estudiosos brasileiros, franceses e canadenses. Mesmo
contendo estudos envolvendo duas potências econômicas, a França e o Canadá, a
revista não encontrou junto às autoridades destes dois países recursos suficientes
para o seu financiamento. Neste sentido, a participação do Professor Aurélio
Lacerda, diretor do Instituto de Letras tem se mostrado eficiente, para suprir
a solução definitiva, ainda a ser encontrada.
Consciência,
editada em Vitória da Conquista, é uma revista que não sofre da mesma penúria
da sua congênere da capital. É publicada com recursos da própria Universidade
do Sudoeste da Bahia. Neste seu quinto número aparece com importantes
contribuições de pesquisadores das áreas de História e Ciências Sociais. Os
melhores ensaios incluídos na revista foram originalmente apresentados a um
seminário de estudos medievais, promovido pela Universidade, a UESB.
Cumprindo um importante
papel no que diz respeito à extensão do saber universitário ao leitor
interessado, estas revistas deixam de cumprir a função de canal de escoamento
da produção docente local, uma vez que muitos dos colaboradores não pertencem
aos quadros da universidade de origem da publicação.
Enquanto nas universidades
dos grandes centros, a maioria dos colaboradores das suas revistas é da própria
instituição, em estados periféricos, a situação se inverte, às vezes para dar
prestígio à publicação, às vezes por falta de produção local.
Embora a observação seja
desagradável, como é desagradável toda e qualquer restrição, pode ter alguma
utilidade, se levada a sério.
(Crítica
& Idéias é publicada todas as segundas-feiras, na página 5 do
segundo caderno de A TARDE. Correspondências para esta coluna: Rua Alagoinhas,
256/101. CEP 41.949-629, Salvador, Ba. Telefone 245-1420).