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O riso: arte e manha O siso sempre foi moeda de muita valia
entre os tolos e todos nós: o oposto do riso. As coisas sisudas impressionam
pela gravidade. Parecem profundas, como a morte. As pessoas circunspectas,
sisudas por trás dos óculos e das rugas na testa, têm passaporte permanente nas
pretensas rodas do saber. Os homens sábios, ressabiados com a vida, encontram
na sisudez o repouso e o silêncio de que precisam nos seus sísmicos cismares. O riso sempre foi visto como irmão, ou
parente próximo, da loucura. Na literatura, esta bem comportada cortesã, o riso
não costuma ter acesso aos suntuosos salões. Teme-se que ele respingue a
reputação desta donairosa dama. Convém que o debochado menino fique na sala
íntima, vigiado pelos avós (que somos nós). Desta forma, as grandes obras literárias
são aquelas em que as coisas risonhas cedem lugar à trágica seriedade dos
fatos. No mundo antigo, os heróis das epopeias viviam situações de turbulência
e desafio, enquanto no teatro, a tragédia retratava os grande personagens no
seu embate com o destino. Os homens menores, seus vícios e vicissitudes, eram
relegados à comédia, tida como um gênero menos digno. Para Aristóteles, Homero foi o supremo
poeta do “gênero sério” (a expressão é do filósofo), porque, segundo as suas
palavras, os homens de mais alto ânimo imitam as ações nobres e dos mais nobres
personagens, enquanto os homens de mais baixas inclinações voltam-se para as
ações ignóbeis (veja-se a Poética, 1448b 24). Desde os áureos momentos da cultura
grega, o riso provocado pela exposição dos defeitos humanos é visto também como
resultado de uma observação defeituosa. O objeto tratado refletiria o caráter
de quem o trata. A partir deste argumento de autoridade, o equívoco se espalhou
pela tradição literária. É verdade que em alguns momentos da cultura europeia,
o riso assumiu ares de dignidade e a censura dos hábitos indignos foi exercida
pela admoestação bem humorada. Ridendo
castigat mores, ou rindo corrige os
costumes, passou de simples frase latina à condição de máxima destinada a
explicar o bem humorado processo crítica social de alguns escritores. Erasmo de Roterdã, com o seu Elogio da Loucura,
foi um dos grandes nomes que aderiram a esta estratégia, assim como Gil
Vicente, no sisudo e pequeno Portugal. Mas não esqueçamos que foi a estética do
Renascimento, época em que viveram estes dois escritores, que ao retomar os
valores da antiguidade greco-romana também retomou o equívoco preconceito
expresso por Aristóteles, como porta-voz do pensamento clássico. Até hoje os escritos mais bem humorados
são postos à margem da literatura. E o que dizer do humor mais evidente e dos
humoristas? Quantos manuais escolares de literatura incluem o nosso sutil
Millôr Fernandes nas suas vetustas páginas? Por tudo isso, e apesar de tudo isso,
convém recebermos de bom humor este livrinho de Marko Ajdaric chamado A realidade é virtual. Inteligente e bem
informado, ágil no trato da palavra, como deve ser todo humorista, o autor nos
proporciona momentos de divertida reflexão. Para que o leitor julgue se vale a
pena, ou se a caneta do humorista vale a compra do volume, vão aqui, de viva
voz, suas palavras de A a Z: “Algodão
- oferecem alguma coisa. Anular
-
dedo da mão esquerda, assim chamado por ser o dedo do qual é retirada uma aliança
quando se desfaz um casamento. Artesanais
-
conjunto de práticas muito comuns entre gays. Ave
migratória - forma educada de se referir a uma
senhora que é perua ou galinha. Boa
pinta - feminino de bom pinto. Catatônico
-
revisor de jornal. Claybom
-
torcida organizada do Muhamed Ali. Clipping
-
fruto mais pujante da onda de terceirização em Lisboa, constituindo-se de
empresas contratadas para colocar clips em documentos de outras firmas. Colunável
-
diz-se do paciente que está apto para receber transplante de medula. Comandatuba
-
chefe da seção de sopros de uma banda. Contra-regra
-
absorvente feminino. Copular
-
saltar em sintonia. Cotovia
-
em cidades muito urbanizadas, faixa ao lado da ciclovia por onde trafegam os
cotós. Diabete
-
expediente na prefeitura de Salvador, quando Lídice não está. Diuturno
-
período de tempo pelo qual uma mulher aceita utilizar um dispositivo intrauterino. Entreposto
-
período de tempo em que o militar nada faz, pois aguarda promoção. Excitada
-
dama que já não aprece mais nas colunas sociais. Fernando
Henrique - Produto tipicamente brasileiro. Vem em
três versões: caridoso - para o Mercosul, carnoso - para produtores rurais,
fardoso - para petroleiros. (Compre o seu agora! Versátil, o produto
tem suas características alteradas a cada 20 anos.) Ginecológico
-
bebida feita com gin e limão. Íncubos
-
nome pelo qual os portugueses conhecem as pedras de gelo. Por extensão, lá se
denomina o abafa-banca por súcubos. Internado
-
em Portugal, nado sincronizado. Juiz
de fora - bandeirinha Kilimanjaro
-
comeram num restaurante a peso. Lisboa
-
apelido pelo qual Elizabeth Taylor é conhecida em Portugal. Mamão
e papaya - posição aludida no Kama Sutra. Maternal
-
curso que é uma das grandes contribuições do feminismo em favor do capitalismo,
inventado para suprir a ausência maternal. Mentecapto
-
expressão usada por telepatas, equivalente a “alô”. Nostradamus
-
palavra elegante, de origem latina que é empregada para definir uma geisha, por
parte de sua clientela. Obtemperado
-
absorvente com sabor malagueta. Pequeno
Polegar - apelido muito comum entre os cortadores de cana da
Zona da Mata, em Pernambuco. Percussionista
-
convertido à fé israelita por meio de relações homossexuais. Qual
é a boa? - pergunta
de amigo da onça, que quer te tomar o telefone dela. Serapião
-
nome que a gente humilde da roça coloca num filho quando tem o augúrio de que
ele irá trabalhar na cidade . Tá
numa ligação - resposta que se obtém ao ligar para a
casa de um hippie. Ucraniano
-
aquele que tem cérebro. Voltaire
-
em Portugal, sinônimo de retornaire. Zagalo
- jogá-lo na defesa. _______________________________ O
riso: arte e manha. Artigo crítico sobre o livro A realidade é virtual, de Marko Ajgaric. Humor. Salvador, Edição do
Autor, 1995. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 22 out. 95, p. 5. |
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