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POESIA ERA UMA FESTA
O livro de Nonato Marques A poesia era uma festa é, antes de tudo, uma fonte de estudo
indispensável para a compreensão do panorama literário baiano da primeira
metade do século. O autor é um dos protagonistas do chamado “Grupo da
Baixinha”, reunião informal de escritores que freqüentavam o Café Progresso, no
período aproximado de 1925 a 1929. A designação, difundida por Nonato Marques,
deve-se ao local onde se situava o Café que serviu de palco para as discussões
e projetos do grupo: a rua que liga a parte baixa do pelourinho à Baixa dos
Sapateiros.
A primeira parte do livro, intitulada
“Os poetas da Baixinha”, é sem dúvida a mais importante, por ser constituída
por um estudo-depoimento do autor. Ele e Bráulio de Abreu são os últimos
sobreviventes desta aventura humana e artística. As lembranças e os dados
oriundos de pesquisa reunidos por Nonato Marques servem de fonte das mais
importantes para o conhecimento de um grupo de poetas praticamente ignorado
pela inteligência baiana da época.
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Carlos Chiacchio, o importante crítico
do jornal A Tarte, e os jovens
Godofredo Filho, Eugênio Gomes, Afrânio Coutinho, Hélio Simões, Carvalho Filho,
Pinto de Aguiar e outros desfrutaram do prestígio devido aos intelectuais mais
destacados da Velha Capital. Estes escritores mantinham-se distantes dos
“poetas da Baixinha”, e como representam, sem dúvida, o núcleo central da
inteligência baiana da década vinte, apenas os movimentos e acontecimentos que
os envolveram passaram à história fragmentária da literatura na Bahia.
Eugênio Gomes, que surgiu nas letras
como poeta modernista, tornou-se crítico e ensaísta de repercussão nacional,
especialmente pelos seus estudos de literatura comparada e de temas
machadianos. Afrânio Coutinho é o responsável pelo fim da crítica jornalística
no Brasil e pela prática da crítica acadêmica. Pinto de Aguiar foi o grande
editor que a Bahia teve. Para eles, portanto, o único movimento digno de nota
foi Arco & Flexa, a revista e o
grupo afinado com ela.
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Nonato Marques atribui a indiferença
dos escritores de Arco & Flexa
para com os poetas da Baixinha ao fato da reunião em torno das mesas do Café
Progresso congregar pessoas de condição social menos privilegiada. O líder do
grupo da Baixinha era Samuel de Brito Filho, o Guarda Civil 85, assim conhecido
por ser policial. Ao contrário dos homens de Arco & Flexa, o Guarda 85 era um autodidata. Homem do povo que
gostava de ler e conversar sobre literatura. As suas longas conversas, enquanto
saboreava um café, representaram o início do grupo. Muitos jovens passaram a
fazer ponto no Café Progresso para trocar idéias, ler e ouvir poemas e fazer
planos.
Outra queixa dos integrantes deste
grupo, assinalada por Nonato Marques no seu livro, é o fato de nenhum deles ter
entrado para a Academia de Letras da Bahia. Segundo seu depoimento, “ingressar
um dia na Academia era um sonho acalentado por alguns, porém, jamais atingido
por qualquer dos nossos companheiros do núcleo formador da Baixinha. Não que
faltasse valor a muitos [...]. Mas, é que a Academia, até hoje, não perdeu os
seus pendores elitistas e os poetas da Baixinha eram modestos demais para
aspirar à tão insigne convívio”, alfineta o autor com sincera humildade.
Mas a razão principal da distância
mantida pelo grupo dos poetas Godofredo, Carvalho Filho e Hélio Simões era sem
dúvida a formação intelectual de um e outro grupo, o que talvez não responda à
questão da Academia. Enquanto os poetas da Baixinha, como reconhece o próprio
Nonato Marques, faziam coro com a estética do fim do século XIX, os rapazes de Arco & Flexa pensavam estar
renovando a literatura. Universitários brilhantes e inteligentes, associavam a
sólida formação acadêmica ao desejo de aproximar a Bahia das idéias modernas
que agitavam o sul do país.
O autor
de A poesia era uma festa
assinala as novidades dos anos vinte, desde a Semana de Arte Moderna, de São
Paulo, até a ruidosa visita de Felippo Marinetti à nossa terra, onde o poeta
futurista tornou-se sinônimo de um meio de transporte trazido para a Bahia na
mesma época, o ônibus, ou buzu, então conhecido como marinete.
“Na Baixinha o reboliço foi grande.
Ninguém, todavia, se dispunha a seguir as pegadas do futurismo de
imediato.” – escreve Nonato Marques, e
acrescenta ainda: “A nossa formação era toda ela orientada no sentido da prosa
e da poesia tradicionais.”
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Há muito o que se ler e discutir no
livro de Nonato, embora haja algumas imprecisões facilmente notadas pelo
leitor, naquilo que se refere a fatos literários que transpõem os limites da
Baixinha. A antologia dos poetas do grupo, parece-me, é importante tão somente
enquanto documento, faltando a muitos o talento capaz de assegurar a
permanência.
É por isso que as observações de Nonato
Marques, especialmente as da primeira parte, constituem o material mais rico do
volume. O seu esforço para sistematizar e incluir na história da literatura na
Bahia os seus companheiros é digno da maior atenção. O seu livro nasce como
obra de consulta obrigatória para os estudiosos.
Curioso observar como o grupo da
Baixinha – que se desfez após algum tempo de convivência com Pinheiro Viegas,
seu mais novo líder – se mantém distante do modernismo, mesmo com o entusiasmo
dos fundadores da revista Samba, título
bem afinado com o pensamento verde-amarelo. Se em Samba a Baixinha ainda não havia pongado na marinete moderna, é com os jornais humorísticos nascidos e
redigidos nas mesas do Café Progresso que o grupo mais se aproxima da
iconoclastia demolidora de 22. O grupo da Baixinha publicou dois “semanários
malucos pelos 200 réis”. Primeiro surgiu O
Periquito, depois promovido a Gavião, classificados como “Órgão de
ataques de riso”.
Nem mesmo o conceituado Carlos
Chiacchio, estimado pelas palavras de incentivo dadas aos jovens escritores – e
neste ponto, como em outros, diametralmente oposto ao mordaz Pinheiro Viegas –
escapou à lira maldizente e epigramática destes bem humorados jornalecos:
“Macarrão
e azeite de dendê,
óculos,
bigode, pança:
eis
o Dr. C. C.
Ironia!
Com
todos estes C. C.,
o
crítico melhor
é
o pior
Poet’
Astro da Bahia!”
Outras figuras de destaque das nossas
letras foram ridicularizadas com graça e cruel talento, inclusive o poeta
Arthur de Salles. Por causa de uma composição, intitulada “A música dos
bilros”, o respeitado escritor foi debochadamente apelidado de Arthur dos
Bilros, como vemos neste epigrama escrito a título de epitáfio:
“Aqui
jaz Arthur dos Bilros
Poeta
de casca e pau...
Os
vermes não o comeram
Por
estar de Sangue Mau.”
A poesia era uma festa, além das ricas informações, traz um outro
mérito: mostrar, pelo título bem achado, que na década de vinte ler era a forma
maior de prazer social. A literatura desfrutava de grande prestígio, não apenas
como forma de conhecimento, mas também como meio de diversão e descontração.
Tudo isto porque, como bem nos ensina Nonato Marques, a poesia era uma festa.
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A poesia era uma festa. Resenha crítica do livro A poesia era uma festa;estudo e antologia.
Salvador, GraphCo, 138 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 mar. 95, p. 7.
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