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PALAVRA DE MÚSICO
Lindembergue
Cardoso foi um dos compositores eruditos mais criativos da segunda metade do
século. Seu talento ultrapassou as fronteiras nacionais, com peças premiadas e
executadas em vários países. Nascido no interior da Bahia, em Livramento de
Nossa Senhora, em 1939, morreu antes de completar cinquenta anos. Iniciou-se na
música através da banda (“furiosa”) da sua cidade, passando a tocar em
conjuntos e bailes populares do interior.
Sua
carreira como músico erudito foi breve e luminosa. Tendo abandonado a música
popular em 1968, um ano depois recebia o terceiro prêmio nacional de música
erudita, concorrendo com os mais expressivos compositores brasileiros. Em
setenta ganharia seu primeiro prêmio internacional.
Lindembergue
Cardoso fez parte de uma das turmas mais talentosas dos Seminários de Música da
Universidade da Bahia, então dirigidos pelo maestro Koellreutter. Não
esqueçamos que no reitorado de Edgard Santos a nossa universidade contratou
grandes professores nas áreas de artes e humanidades. Koellreutter trouxe para
sua escola de músico talentosos professores do mundo inteiro, o que atraiu a
atenção dos músicos brasileiros que vinham completar sua formação na Bahia. Foi
neste ambiente estimulante e criativo que Lindembergue Cardoso firmou-se, como
um dos mais destacados alunos do compositor Ernst Widmer.
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Causos de músico
é um delicioso livro de memórias de Lindembergue Cardoso. Seu relato é vivo e
colorido, sua linguagem tem a naturalidade da mais animada conversa entre
amigos. Beg não quis fazer literatura neste seu livrinho, sua arte era outra,
quis apenas contar episódios marcantes na sua vida de músico. Mas a sua
intuição de artista, sua sensibilidade e sua inteligência criadora asseguram ao
texto o encanto das coisas naturais. Poucos profissionais da escrita conseguem
produzir um texto tão limpo e bom de se ler. Isto é tudo que se esperava das
letras de um músico.
O
prefácio é de Ildásio Tavares e a orelha de Raimundo Marinho. O volume é
ilustrado com fotos documentais e a capa traz um ótimo retrato de Lindembergue
Cardoso feito por Ângelo Roberto.
Pena
que o volume não seja bem cuidado do ponto de vista gráfico. Embora patrocinado
pelo Baneb, a Empresa Gráfica da Bahia fez uma impressão mixuruca e sem nenhum
respeito pelo autor. A Bahia deve mais do que um modesto opúsculo a um dos seus
maiores compositores de todos os tempos. A Secretaria da Cultura, ou outro
órgão que, por acaso, se sinta responsável pela promoção da cultura, tem o
dever de propiciar uma edição bem cuidada e de maior circulação do livro (esta,
que só foi feita graças ao esforço da viúva do compositor, ficou praticamente
restrita aos amigos de Lindembergue). Causos
de músico não é um livro que reúne apenas as memórias do grande compositor.
É também um documento da música na Bahia. Tanto da música popular, quanto da
música erudita. Embora não seja um relato longo é, sem dúvida, uma fonte de
inestimável valor. Pena que sejamos uma terra de cegos, surdos e mudos...
Numa
edição definitiva deste livro de Lindembergue Cardoso, as fotografias deverão
receber melhor tratamento gráfico, uma vez que a iconografia do livro é por si
mesma significativa.
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Seu relato é vivo
e colorido,
sua linguagem
tem a naturalidade
da mais animada
conversa
entre amigos.
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Sua carreira
de músico erudito
foi breve e
luminosa.
Seu talento
ultrapassou as
fronteiras
do Brasil.
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Causos de músico
conta os percalços de uma banda de Livramento e as peripécias de jovens músicos
populares numa época em que a velha orquestra cede lugar ao jazz, ou melhor, ao
jaze, como se chamava o conjunto
musical que incorporava a bateria, em lugar de vários instrumentos de percussão
como caixa, surdo, pratos etc. Não temos neste livro um perfil musical apenas
da cidade do autor, mas um perfil de um fenômeno ocorrido em todo o país. O relato
de Lindembergue Cardoso ganha relevo e importância porque, embora situado e
datado, com personagens listados e identificados, tem o dom de
universalizar-se. Isto é: ao ler o trajeto de Beg temos um quadro sociológico
da formação do músico brasileiro em geral.
Ao
sair de Livramento para estudar em Salvador, Lindembergue passou a integrar um
conjunto que fez história na Bahia, o “Bazooca”, ao lado de Carlos Veiga,
Alcivando Luz, Alcyone, Edvaldo Brito, Rony Cócegas, Maria Creusa e outras
figuras hoje bastante conhecidas. O “Tropicana”, o “Avanço”, a orquestra do
Tabaris também entraram na vida de Beg, que teve como companheiros
instrumentistas como Vivaldo Conceição, Perna, Tuzé de Abreu, Tuti Moreno,
Moacyr e Perinho Albuquerque, além de outros igualmente importantes.
Toda
uma grande geração de músicos populares e eruditos está presente nestas
memórias que são mais do que um relato pessoal e bem humorado. Estas memórias
do maestro Lindembergue Cardoso constituem uma autorizada perspectiva das
interrelações entre a música popular e a música erudita no Brasil. Um documento
que merecerá respeito e atenção dos estudiosos, embora para nós, seus amigos e
admiradores, seja também um espaço mágico de reencontro com o velho Beg. Que
hoje toca seu sax dourado e rege um coral de vozes antigas nas brumas da
eternidade.
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Palavra
de músico. Artigo sobre o livro Causos de
músico; memórias, de Lindembergue Cardoso. Salvador, EGBA, 80 p. Coluna
“Leitura Crítica” do jornal A Tarde,
Salvador, 15 mai. 95, p. 7.
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