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Obras primaS do conto Sergio
Faraco, uma das vozes mais altas da prosa de ficção em língua portuguesa, tem
agora os seus Contos Completos
publicados pela L&PM, reunindo assim num único volume pequenas obras primas
do conto brasileiro. Gaúcho de Alegrete, Faraco publicou seu primeiro livro – Idolatria – em 1970, sendo autor de
quinze volumes de contos, crônicas, ensaios e história antiga, além de tradutor
de mais de vinte livros de ficção latino-americana. Tendo
cursado o Instituto de Ciências Sociais de Moscou, de 1963 a 65, passou a
residir em Porto Alegre, sendo detentor de prêmios literários como o Galeão
Coutinho, atribuído pela União Brasileira de Escritores ao livro A dama do Bar Nevada, em 1988. Já foi
publicado em países como Alemanha, Argentina, Bulgária, Chile, Colômbia, Cuba,
Estados Unidos, Portugal, Uruguai e Venezuela. Apesar
da vasta e diversificada produção, como contista, Sergio Faraco é autor de uma
obra pequena e densa. Seus contos, quase todos breves, caracterizam-se pelo
poder de condensação e sugestão da poesia, muito embora a estrutura da sua
narrativa revele o melhor da prosa brasileira de todos os tempos. Dominando a
narrativa clássica e, simultaneamente, inventiva, Faraco parece querer passar a
limpo, ou reinventar, a escrita mais límpida da nossa tradição literária. Desde
Graciliano Ramos, um nordestino da primeira metade do século, até Sérgio
Faraco, um sulista deste final de milênio, a narrativa de ficção alcançou no
Brasil um poder de síntese que exige do leitor a atenção voltada para o
desenrolar da trama e a tessitura do discurso. O dizer preciso e econômico, ao
tempo em que amplia as possibilidades comunicativas, enriquece o universo
conceitual por tornar mais perceptíveis as sugestões do indizível. Se,
de um lado, a prosa generosa e rica de enfeites – que recoloca os torneios
barrocos como traço da chamada pós-modernidade – sustenta na redundância e na
repetição o seu poder comunicativo, diluindo a tensão e a atenção do leitor, do
outro lado, onde Faraco se inscreve, a escrita estrita requer o máximo de
concentração do fruidor. Potencializadas,
tensão e intenção, tanto por parte do escritor quanto do leitor, é possível
estabelecer um diálogo calcado na sensibilidade e na razão por todos os espaços
do texto. Daí a riqueza de sentido presente nos pequenos textos de Sérgio
Faraco. Textos construídos para serem relidos, revisitados, nunca lidos num
perpassar de olhos. A
experiência de leitura dos seus livros nos ensina – desde 1978, quando do
lançamento de Hombre, pela velha
editora Civilização Brasileira – que cada releitura é uma nova descoberta, que
cada reencontro com um conto de Faraco faz brotar uma nova obra, nascida do
engenho do autor e da experiência interativa do leitor. Mas
por que os contos deste gaúcho crescem aos olhos do leitor a cada vez que são
relidos? Os
teóricos do conhecimento insistem no fato de que conhecer é reconhecer. Freud
dizia que, quando os sentidos entram em contato com um objeto, o cérebro
procura ligar esta percepção com a lembrança de uma percepção anterior,
fundindo o registro com a nova apreensão. Somente aí se daria o conhecimento
propriamente dito. Ora,
os contos de Sérgio Faraco não são meras histórias bem escritas, mas a
construção de um mundo até então desconhecido, ou, pelo menos, a representação
do velho mundo conhecido em meio a lugares nunca visitados. As velhas situações
são iluminadas pelo foco da narrativa deste contador de histórias breves e
densas como um raio de luz na escuridão. A marca deixada na retina não se
apaga, mas volta em clarões de relembrança, prolongando na mente do leitor o
breve – e não concluído – ato da leitura. Assim,
os contos de Sérgio Faraco são lidos, primeiro, pelos olhos e depois, com os
olhos abertos ou fechados, pelo turbilhão de claros e escuros da mente. É como
se a velocidade do pensamento não acompanhasse a vertiginosa cachoeira de
sentidos derramada pelo concentrado discurso deste autor modelar. A leitura
prossegue, depois de virada a página; ela nos persegue e surpreende em cada
esquina do pensamento, nos fazendo rever o mundo com olhos diferenciados, ou
sob um ângulo ainda não conhecido. A
surpresa do velho que não sabíamos novo – ou o abismo do insondado. – É o que
nos ensinam as palavras avaras e cheias de recato deste contista. Uma
escrita com tais labirintos, que continua sendo lida mesmo quando os olhos
deixam de ler, também é uma escrita que não cessa de se reescrever. Daí a
constante obsessão do autor em encontrar uma forma perfeita e irretocável. A
cada nova edição, cada conto é reescrito, refeito, em busca de outro brilho
escondido por entre as faces das palavras. A lavra prossegue, tentando arrancar
a última cintilação possível de um sentido recém-conhecido. Saímos
do livro de Sérgio Faraco com a sensação que teria o recém-nascido, se pudesse
perceber as surpresas do mundo. Saímos atônitos e atentos para a invenção da
vida. Trata-se,
portanto, de um mestre do conto brasileiro de hoje e de qualquer tempo. Um
escritor essencial no horizonte da literatura de língua vernácula, cuja obra
breve e absolutamente luminosa não pode ser desconhecida por um só leitor de
bom gosto. _________________________________ Obras
primas do conto. Artigo crítico sobre o livro Contos completos, de Sérgio Faraco. Porto Alegre, L&PM, 1995,
304 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A
Tarde, Salvador, 4 mar. 96, p. 7. |
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