LÍNGUA
E POESIA GALEGAS
A língua falada na Galiza, região
espanhola situada ao norte de Portugal, vem resistindo e se mantendo durante
séculos. Se, na Idade Média, parte significativa da poesia produzida nas cortes
ibéricas tomava como expressão o idioma galego, seguiram-se longos períodos de
adormecimento desta língua intimamente ligada à nossa. Muitos estudiosos
consideram a língua portuguesa um ramo frondoso do velho tronco comum. Na
verdade, quando lemos textos portugueses do século XIII ou XIV encontramos
formas bastante próximas da língua galega, tal como hoje é escrita e cultivada.
Sabemos que durante os anos da ditadura
franquista, o empenho unificador da península ibérica, obstinadamente
perseguido pelo caudilho, considerou os diversos falares, dialetos e línguas
históricas dos povos que constituem a nação espanhola como focos contrários à
ordem instituída. Assim, os povos das várias nações hispânicas foram impedidos
de se expressar na língua materna. O castelhano foi imposto como língua nacional
única. Por conta disto, as elites emergentes procuravam se expressar unicamente
em castelhano, enquanto nas aldeias o povo se envergonhava da língua dos seus
pais e dos seus antepassados.
Na Galiza, foi esquecida a longa e rica
tradição de uma língua culta, na qual se expressaram nobres, príncipes e reis
espanhóis e portugueses. Apenas alguns focos de resistência política, literária
e linguística teimavam em manter viva a velha semente galaica.
"Torres de sal que foron algún
día
crisol do tempo elemental do lume,
patria do corazón
perdida para sempre"
Este empenho galego encontrou eco e
despertou solidariedade além das fronteiras ibéricas, especialmente da Bahia,
terra onde os galegos fizeram morada de várias gerações emigradas. Um dos
nossos mais representativos poetas, Godofredo Filho, publicou em revistas europeias
os seus poemas galegos, numa clara atitude de respeito à inolvidável língua dos
primeiros trovadores. Ao escrever seus poemas galegos, quando na própria Galiza
a língua ainda era esquecida, Godofredo Filho reafirmava a cultura galega como
berço da lírica brasileira ou de toda poesia de língua portuguesa. O poeta
reconhecia o esforço de preservação do patrimônio comum e com as suas armas
combatia o bom combate.
Enquanto na Espanha procurava-se desencorajar
a expressão regional, artistas de várias partes do mundo, convocados pelo
silêncio imposto a Lorca ou pela palavra pintada por Picasso, voltavam os olhos
para aqueles que resistiam.
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* *
Falar a língua dos antepassados, cantar
suas canções e dizer seus poemas tornou-se uma atitude política, uma atitude de
defesa do espírito, do pensamento e do modo de sentir de cada um dos homens e
mulheres do lugar. Graças a este foco de teimosia e resistência, após a
restauração das liberdades individuais e coletivas, ocorreu um verdadeiro
renascimento da cultura galega. Poetas, cantores, romancistas, historiadores,
pensadores e cientistas fazem das principais cidades da Galiza importantes
centros intelectuais da Espanha.
A literatura continua sendo a ponta de
lança da preservação e da constante reafirmação da língua. É neste quadro que a
Editorial Galaxia, conhecida editora de Vigo, publicou o livro Fábrica íntima,
de Gonçalo Navaza. O poeta esteve na Bahia o ano passado – quando revia as
provas do seu livro –, tendo ministrando um curso de língua galega como parte
das suas atividades de linguista empenhado no alargamento das fronteiras do
idioma do seu povo.
"Sobre
a memoria enteira caerá a fría neve
restituíndo
todo á branca perfección".
Fábrica íntima é um volume com dezoito
poemas fundamente marcados pelo melancólico sentimento do galego – bem
conhecido de todos nós, por se manifestar também nos seus vizinhos portugueses
– quer quando o tema é o sujeito, quer quando o foco se amplia para o geral, o
outro, o social. O canto geral se aproxima do velho canto ao som da lira.
Sempre, porém, a luminosa música da palavra aproxima os olhos dos ouvidos.
Como nos quatro quartetos de "Os
outros passos":
"Na noite metafórica, ó abeiro
da alta lúa
que no perfil do espacio se move de vagar
fende o silencio un eco dunha distante rúa
onde distantes passos parecen ressoar.
Avanzando contigo na verea da idade
semellan ser os ecos do teu proprio ruído:
os imposibles pasos da imposibilidade,
os pasos doutros homes que puideches ter sido
e non fuches. De lonxe, o seu son acompaña
o teu devalo lento por diverxente via,
axexando a soidade cunha presencia estraña
de soños só formada, e de melancolía;
unha presencia escura que manca o corpo cando
destila esa sospeita que che abala o sorriso:
que ó cabo dos camiños que fuches rexeitando
agardaba a verdade, a luz, o paraíso."
O livro de Gonzalo Navaza não é somente
uma fábrica de coisas íntimas, mas um invento compartilhado, um discurso
através do qual o poeta se faz arauto da expressão interior ou da manifestação
coletiva do povo galego.
Neste momento em que a Bahia inaugura o
seu Centro de Estudos de Língua e Literatura Galegas, vinculado ao Instituto de
Letras da Universidade Federal da Bahia, com um programa de eventos
comemorativos, convém lembrar este livro de um poeta galego da nova geração.
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Língua e poesia galegas. Resenha crítica do livro Fábrica íntima, de Gonçalo Navaza. Editorial Galaxia, 1974. Coluna “Leitura
Crítica” do jornal A Tarde, Salvador,
3 abr. 95, p. 7.
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