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FitzgeralD
e os anos vinte

 

        F. Scott Fitzgerald foi mais do que o cronista e a principal testemunha ocular da história da década de vinte nos Estados Unidos. Foi também o seu símbolo maior, ou ainda, foi uma síntese literária deste momento de euforia e grandes conquistas interiores do povo norte-americano.

        Os Estados Unidos sempre foram um país pródigo em conquistas externas; em avançar sobre o território alheio para ampliar o seu poderio. Ocupado, assim, com as ambições imperiais, seu povo esquecia as conquistas interiores, os avanços do espírito e do modo de vida.

        Enquanto o governo fomentava o enriquecimento da nação, cada um dos indivíduos pretendia fazer de sua casa um pequeno mundo tão obcecado com a prosperidade e o crescimento da riqueza familiar quanto da nacional. Ser bem sucedido nos negócios e nas conquistas materiais sempre foi o bem supremo deste povo, que é, talvez, o povo que melhor assumiu as virtudes e os vícios de uma classe social que chegou ao ápice no século XIX, a burguesia.

        Os americanos assumiram e cristalizaram, de tal forma, a ideologia do capital como bem único que tudo mais que independe deste eixo deixa de ter importância.

        Mas com o fim da guerra, em 1918, a prosperidade até então nunca vista, deslocou do epicentro a conquista do poder para aí situar o gozo das delícias proporcionadas pela riqueza. As pessoas mudaram inteiramente seu modo de vida: o surgimento dos práticos apartamentos, dos aparelhos elétricos destinados a facilitar as tarefas caseiras, das comidas enlatadas e de outros bens de consumo deixaram as pessoas com mais tempo para gozar o momento em que viviam.

        A sensação de plenitude material deixou também algum tempo livre para a revisão dos valores éticos, afetados pelas mudanças de práticas e hábitos.

        A mulher, além de se ver liberada dos afazeres domésticos, conquistou o direito de voto, o que significava a sua igualdade com os homens. Desta igualdade resultou uma mudança radical do comportamento feminino e familiar, assistida com alarme pelas forças conservadores da sociedade.

        New York Times, julho de 1920: “A mulher americana reduziu o comprimento da sua saia até um ponto que vai muito além de qualquer limitação imposta pela decência”.

        Herald, de New York: “Além de fumar e beber as jovens praticam uma coisa que não pode ser chamada de dança, mas de abraço sincopado”.

        Catholic Telegraph, de Cincinnati: “A música é sensual, o abraço dos pares — com a jovem quase despida — é absolutamente indecente. Quanto aos movimentos, são tais que não podem ser descritos num jornal de família”.

        Foi um jovem desta geração, de vinte e quatro anos e recém formado, que com o seu livro Este lado do Paraíso, fez com que os mais velhos tomassem conhecimento pleno do que ocorria no mundo dos jovens. A leitura do livro de Fitzgerald foi um alarme para as famílias. Ele punha em letra de forma e fotografava com as lentes da palavra aquilo que os olhos não estavam acostumados a ver e, por isso mesmo, não viam.

        Desde então, o escritor passou a ser o porta voz mais convincente da sua época. Seus Seis contos da era do jazz, hoje clássicos, trazem para o âmbito da literatura não apenas a atmosfera de uma época vivida com assombro, mesmo pelos seus protagonistas, mas registram ainda, nos caminhos e soluções da narrativa, a perplexidade experimentada diante do novo modo de vida. Seu texto é, antes do mais, um texto inovador como a sua época.

        Tudo é absurdo. Ou nada é absurdo. Assim, ao abandonar a estrada conhecida de uma trama cartesiana, na qual o real se reconhece, a narrativa de F. Scott Fitzgerald envereda pelo mundo fantástico de um realismo mágico, de uma realidade super-real. O estranho e o inverossímil ganham estatuto de naturalidade nestes contos, que se pretendem absolutamente plausíveis. O fantástico, o maravilhoso não estão na narrativa, estão no mundo vivido e experimentado por toda uma nação. A realidade dos incríveis anos vinte é que era fantástica, aos olhos dos seus personagens de carne e osso; o mundo e não o texto literário é que contém a fragmentação das coisas ainda não assimiladas pelos “golden twenties”, aos olhos do escrivão que lhe dá fé e testemunho.

        Mas este testamenteiro de uma época, este cronista inventivo é também um dos seus artistas mais criativos. Ele não é apenas um observador e tradutor de um mundo de prodígios, ele é também um dos protagonistas dos prodígios. Assim, o texto de F. Scott Fitzgerald é, para os americanos e paro os seus leitores de ontem e de hoje, a própria plasmação literária do admirável mundo novo dos anos vinte.

 

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Fitzgerald e os anos vinte. Artigo crítico sobre o livro Seis contos da era do jazz e outras histórias, de F. Scott Fitzgerald. Rio de Janeiro, José Olympio, 1995, 261 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 6 nov. 95, p. 5.




































 
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