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CONTOS DE ANGÚSTIA

E NOJO

 

        Há textos que são escritos, deliberadamente, para suscitar o prazer do leitor. Eles divertem e seduzem, submetendo o seu projeto literário e o universo conceitual do autor à exigência primeira de agradar e divertir. Embora os próprios artistas e intelectuais vejam neste tipo de texto uma forma de arte menor, porque descomprometida com a sacralização do estético, outros, e muitos, preferem o prazer do texto.

        Nos seus primórdios, a arte não se queria uma donzela intocável e exigente, mas uma dançarina alegre e sedutora. Assim, ela se tornou parte da vida, sem querer substituir a vida. O seu valor residia nisto. Em ser uma extensão da vida. Uma forma de transgressão dos caminhos menos satisfatórios como possibilidade de abrir veredas mais confortáveis.

        Mas, ao buscar novas expressões e possibilidades, a arte se voltou contra o seu objetivo inicial de alegrar. Já no Renascimento, ela tinha um compromisso com a educação moral da humanidade.

        O Romantismo cedeu ao gosto burguês, mas a modernidade que se instaura a partir de então retoma as exigências renascentistas, acrescentando outras diretrizes.

        Ao texto alegre e brincalhão se opõe o texto que inquieta, desloca e provoca a reação do leitor. Não apenas a literatura, mas as artes plásticas, o cinema etc. sustentam o seu prestígio nas formas de desconforto do público. Assim como nos anos de efervescência do marxismo o engajamento político, ou social, era o elemento essencial da estética; ontem e hoje, a arte se põe a serviço do desprazer. Da inquietação, como forma de armar uma reação contra o estabelecido.

        Tal é a prática estética de Breno Accioly. Quando a literatura no Brasil assumiu um compromisso com a denúncia das chagas sociais, este contista alagoano estendeu a denúncia ao que Freud chamou de mal-estar na cultura. Os fantasmas interiores ganharam voz e corpo para inquietar o leitor.

        A prática tanto pode ser uma nova forma de atuação, quanto uma forma de escapismo através dos recônditos do sujeito, como convinha ao gosto romântico.

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Graciliano Ramos:

“A arte de Breno Accioly

me faz pensar

em coisas e figuras da terra onde ele nasceu:

espinhosa, não se adapta

a medida, cresce fora da lei. Tem a bárbara firmeza

do cangaceiro

e a resistência

do mandacaru”.

 

Mário de Andrade:

“Breno Accioly de um nada

faz um conto e acende

numa vela a chama

da angústia humana.”

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        A crítica costuma apontar Breno Accioly como um contista que conferiu uma dimensão dostoievskiana a este tipo de narrativa no Brasil. Tristão de Athayde, no seu rodapé de crítica saudou a aparição do autor afirmando que “nunca vimos, até hoje, no Brasil, tão bem expresso, literariamente, esse terrível campo de transição entre a luz da consciência e a outra luz da insanidade, como nestes contos por vezes repugnantes.”

        Tendo publicado um romance e quatro livros de contos, sendo o primeiro em 1944 e o último quatro anos antes da sua morte, que se deu em 1966, este contista estranho e poderoso foi reeditado algumas vezes. Esta quarta edição que a Civilização Brasileira faz de João Urso atesta a procura dos seus textos por novos leitores, apesar de Breno Accioly ser hoje, no panorama da literatura brasileira, um desconhecido para o grande público.

        Depois de alguns anos de esquecimento, Ricardo Ramos preparou para a Global o volume Os melhores contos de Breno Accioly, numa coleção destinada a traçar um panorama representativo do conto brasileiro e publicada em 1984.

        Nesta coletânea aparecem alguns contos — os melhores da antologia — extraídos de João Urso, livro fundamental do autor. A angústia e a revolta constituem personagens cuja dimensão psíquica responde às patologias mais inquietantes. Por isso, apesar da narrativa seca e precisa de Breno Accioly, os contos são lidos num clima sufocante, onde o ar é rarefeito e o tempo parece parar. Trata-se, portanto, de uma leitura densa e entrecortada de paradas íngremes, cercadas por pedras agudas.  Para definir o fenômeno, Vinícius de Morais disse que “Breno Accioly veio abrir sobre as águas claras do conto brasileiro as comportas de sua alma tumultuosa que habita nas trevas mais fundas e sórdidas do ser.” Isto, depois de constatar o que ele chamou de grande talento para o gênero, reafirmando o que outros escritores disseram do autor, morto precocemente aos 44 anos.

        No universo sombrio dos dez contos de João Urso,  o abandono, o medo e a disformidade da alma firmam uma narrativa pessoal e de relativa originalidade. As fraquezas do espírito e a consciência dos limites fazem dos personagens figuras trágicas e apagadas, como o menino João Urso, protagonista do conto que título ao livro, cuja risada desvairada assusta e torna o personagem repugnante para o mundo.  Neste universo terrível, surge como um vento benfazejo o conto “Natal de seu Hermídio”, narrado em primeira pessoa e constituindo uma crônica rememorativa da infância do autor. Mas mesmo aí, aparece o estranho e o indizível, nos recônditos da alma do personagem central, o taciturno seu Hermídio, fabricante de mundos fantasiosos que encantavam o menino e fechavam seus olhos para tudo o mais.

        A cidade de Sant’Ana do Ipanema é a Macondo de Breno Accioly. Aí têm lugar quase todas as suas narrativas. Seus homens e mulheres, suas casas e ruas constituem a paisagem deste contista.

        Mas para que o leitor tenha uma noção do seu lugar no espaço conto brasileiro, convém repetir as palavras de José Lins do Rego, logo após o lançamento de João Urso, em 1944:

        “Breno Accioly é, no entanto, uma verdadeira força poética que se debruça sobre o homem para sondar-lhe as profundezas. Os casos de seus contos são mistura de confissão e de terríveis análises que ele pratica, quase que sem saber. Se eu fosse um técnico em psicologia profunda muito teria que sondar nestas criaturas que aparecem no seu livro. Digo que me espanta este poder tremendo de revelar o estranho da natureza que há no jovem alagoano. As próprias coisas que o rodeiam são carregadas de uma pesada forma. Há uma tristeza sinistra nas suas narrativas.”

        Mais não digo.

       

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Contos de angústia e nojo. Artigo crítico sobre o livro João Urso; contos, de Breno Accioly. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995, 164 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 1º mai. 95, p. 7.























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