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LigaçõeS perigosaS . Emiliano
José é um nome lembrado tanto pela seriedade dos textos publicados em jornais
brasileiros quanto pelo livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, que
alcançou diversas edições. Seu
trabalho mais recente, Imprensa e poder: ligações perigosas, tem um
título ao mesmo tempo objetivo e ironicamente sugestivo, ao tomar como
referência a obra Laclos Les liaisons dangereuses. O
que destoa é um subtítulo explicativo que aparece na folha de rosto: “A CPI do
PC, do Collor e do Orçamento numa análise inédita”. Como a contracapa do livro
traz um texto que dá conta dos principais tópicos do trabalho, este rabicho da
folha de rosto, além de inexpressivo é redundante. Mas o livro tem pontos altos
que fazem o leitor nem perceber o que não conta. Trata-se
de um texto de análise sociológica e, ao mesmo tempo, de ética jornalística. As
reflexões do autor valem como tópicos estimulantes para o amadurecimento de
questões éticas, o que é reforçado pelas cinco entrevistas com Antonio Fausto
Neto, Augusto Fonseca, Bob Fernandes, Clóvis Rossi e João Santana Filho. Chamo
atenção do leitor especialmente para o depoimento deste último que nos dá
lições de ética profissional de inestimável valor. Emiliano
José dirige o foco da sua discussão e dos depoimentos dos cinco jornalistas
entrevistados para o envolvimento e a cumplicidade da chamada grande imprensa
com as peripécias neoliberais do ex-presidente Fernando Collor. Como a imprensa
saiu glorificada com o episódio do impedimento do presidente, Emiliano abandona
as celebrações ufanistas de alguns e parte para uma reavaliação dos fatos. Sabemos
que, aqui e em toda parte, a ética jornalística é posta em suspenso pelos
interesses do veículo enquanto empresa e negócio. Alguns órgãos de comunicação
têm diversificado os seus investimentos, tornando-se pontas-de-lança de
importantes grupos empresariais. Este fato é um complicador do problema que,
mesmo no pertinente estudo de Emiliano José, não é suficientemente abordado. O
livro analisa o comportamento da imprensa sem fazer uma distinção entre a
atitude dos seus profissionais e as imposições dos veículos, mais interessados
nos gráficos do setor contábil. Uma
prova contundente da ruptura entre o trabalho jornalístico e as estratégias
empresariais do jornal é o florescimento da imprensa alternativa durante os
momentos de supressão dos direitos democráticos. Nos longos anos que se
seguiram ao golpe de 64, os neoliberais então reunidos sob outros rótulos
estabeleceram as regras do jogo e da “livre concorrência” marcando as cartas do
baralho. As células não contaminadas na nação só podiam respirar através dos
nanicos. A imprensa alternativa, assim chamada, era a alternativa de preservar
a dignidade profissional. Isto
nos permite ver com mais nitidez a necessidade de separar os imbricados
caminhos da empresa jornalística e do jornalista. A análise destes dois vetores
como um único fato já aparece no capítulo “Um silêncio conivente”, onde através
de uma ligeira perspectiva da questão em diversos momentos da história da
República, o autor situa as relações de intimidade entre a imprensa e o
governo. A síntese da questão por um jornalista-empresário, Samuel Wainer, nos
mostra como os interesses das empresas jornalísticas tendem a reduzir os dois
vetores a uma só linha de raciocínio, enquanto a separação ajuda a aprofundar a
análise. Mas
o livro Imprensa e poder: relações perigosas tem um objetivo preciso e limitado:
uma análise de caso. Ou melhor, uma análise contrastiva dos casos Veja e IstoÉ. O autor pretendeu estudar o papel das duas principais
revistas do país, tomadas como amostras da Imprensa Brasileira, num dos
momentos mais importantes de toda a história do Brasil, o início da década de
noventa. Num
raro momento de dispersão das elites, após ter se esvaído a ditadura militar
posta a seu serviço, a esquerda conseguiu sensibilizar a nação para a
importância de levar um líder operário à presidência da república. A ameaça de
um avanço histórico sem precedentes, no sentido de aperfeiçoamento do
capitalismo através da diminuição dos desequilíbrios sociais, reaglutinou as
forças concentradoras do capital. Neste momento, algumas empresas de
comunicação se voltaram para os fluxogramas do departamento comercial e
iniciaram as relações perigosas analisadas por Emiliano José. O
título de um dos capítulos do livro, “Veja
o entusiasmo por Collor”, é uma síntese conclusiva do mesmo. O autor nos mostra
o engajamento de Veja com o projeto do atlético e bem falante manequim
vestido pelos grandes grupos empresariais e jornalísticos do país. Mesmo quando
o governo quebra a segurança do sistema financeiro e do direito de propriedade
privada, a grande imprensa continua fiel aos seus acionistas. Veja, num
belo exercício de cinismo sofístico, diria que as medidas “não mexeram com a
vida daqueles que estão fora do over, da poupança e até das contas bancárias –
a maioria dos brasileiros”. Elas atingem “aqueles que Collor escolheu como seus
alvos durante e depois da campanha: as elites”. Shakespeare,
pela boca de Marco Antônio já insistia: ”Mas Brutos é um homem honrado”. Nelson
Rodrigues diria: “Mas a imprensa é imparcial”. É
este intricado jogo de interesses que é discutido e trazido a tona com honestidade
e ética, além da possível objetividade por Emiliano José. Imprensa e poder:
relações perigosas é um livro fundamental para os profissionais do
jornalismo, mas ultrapassa em muito esta esfera de interesse, devendo ser lido
por toda e qualquer pessoa que se pretenda bem informada. Aqui o leitor tem
acesso a uma tipo de discussão que não interessa nem aos grupos econômicos
detentores do poder nem à grande mídia. Interessa apenas aqueles que ainda
cultivam o desejo da liberdade. ________________________ Ligações
perigosas. Artigo crítico sobre o livro Imprensa
e poder: ligações perigosas, de Emiliano José. Salvador, EDUFBA, São Paulo,
HUCITEC, 1996, 286 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 2 set. 96, p. 7. |
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