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AS MIL E UMA

JANELAS DE MUELLER

 

Mil janelas se acendem aos olhos indiscretos de um atirador solitário. A mira telescópica de uma sofisticada arma tanto serve para matar quando para manter ereto o desejo sexual de um solitário voyer. Depois de algumas cenas de sexo, a polícia encontra o corpo de um homem morto a bala, próximo à janela do seu apartamento.

O fim da história o leitor já sabe. O narrador anuncia nas primeiras linhas do livro. O desafio é manter viva a atenção diante de uma outra morte anunciada.

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As Edições Macunaíma, criadas há muitos anos por um grupo de então jovens artistas, como Florisvaldo Matos, Calasans Neto e Myriam Fraga, funciona como uma editora amadorística. Isto é: com amor ao trabalho de publicação. Lança seus títulos sem regularidade e sem uma estrutura comercial de mercado. A marca é uma só: a qualidade do trabalho gráfico e do texto. O gravador Calasans Neto é o ilustrador constante dos seus livros, o que transforma a Macunaíma hoje numa editora de arte da mais alta categoria, embora o processo de edição e comercialização dos livros continue sendo feito como antes: por amor à arte, para repetir, intencionalmente, uma expressão pré-moldada.

Vale lembrar que a Macunaíma tem seu nome associado, entre os autores publicados, a alguns dos nossos melhores escritores. O poeta Vinícius de Morais, no período em que viveu na Bahia, também foi seduzido pela proposta despojada desta singular “editora do autor”, tendo aqui publicado alguns livros.

Depois de anos sem nada editar, a Macunaíma nos apresenta um lançamento, bem no fim do ano: A casa de mil janelas, de Lourenço Mueller. Ao contrário da feição artesanal dos demais livros da editora, este volume apresenta um bem cuidado projeto gráfico-industrial, de Ivan Kalil e Beto Cerqueira, usando as ilustrações de Calasans Neto de modo equilibrado, com o intuito de valorizar o trabalho do artista. Do ponto de vista gráfico, este livro inaugura uma nova tendência na Macunaíma.

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A casa de mil janelas, de Lourenço Mueller, é uma narrativa breve e fácil de ler. Capaz de agradar ao grande público. Dois ingredientes altamente consumidos pelas mais diversas classes de leitores funcionam como esteios de sustentação da narrativa: sexo e crime. Desde os romances policiais aos filmes do velho James Bond, a fórmula amplamente usada pela cultura de massa tem público cativo.

Sabemos que, durante muito tempo, leitores e críticos mais exigentes faziam sérias restrições a esta fôrma literária. Mas, deste algum tempo, a necessidade de reencontrar o prazer do texto, reclamado por Roland Barthes, fez com que os leitores cultos passassem a se interessar pela novela policial.

O golpe de misericórdia no preconceito contra a cultura de massa veio das mãos de Umberto Eco. Esse autor, que nos seus eruditos estudos críticos tomava como objeto kitshen como filmes e novelas policiais, aventuras de Superman etc., chegou a forjar a dicotomia apocalípticos e integrados, título de um dos seus livros de ensaios, para analisar a resistência dos intelectuais a uma inevitável realidade do mundo contemporâneo: a contaminação da cultura erudita pela cultura de massa.

Depois de examinar este fenômeno, Eco deu ao mundo um exemplo prático notável das suas formulações teóricas: o livro O nome da rosa. Situado no século treze e envolvendo a mais intrincada erudição, o livro se sustenta na fôrma do romance policial. Tornou-se logo um best seller e fez com que o nome do filósofo e crítico Umberto Eco transpusesse os limites das escolas de letras, onde tinha seu público cativo.

É, portanto, confortavelmente amparado por estes fatos que Lourenço Mueller publica seu livro de estreia. Embora vagamente classificado, na ficha catalográfica, como “romance-ficção”, trata-se de uma pequena e ágil novela policial. Apesar de ser um livro de um iniciante, o leitor está diante de um escritor que sabe urdir uma trama e contá-la de modo adequado.

Na sua brevidade, a narrativa mantém a curiosidade de quem lê: comecei a folhear o livro ao anoitecer e só parei ao chegar à última página, na hora de dormir. Este dado, aparentemente de exclusivo interesse pessoal, deve ser mantido num comentário impessoal, porque serve para exemplificar a postura de um leitor diante das mil e uma janelas abertas por Lourenço Mueller.

As mil primeiras janelas são as da cidade-ficção da sua história. Uma janela a mais é aberta pelo seu engenho de contador de histórias: aquela que liga às mil janelas dominadas pelo personagem com a janela da curiosidade mantida viva pelo fruidor do livro.

A régua e o compasso para traçar seu caminho como escritor, Lourenço Mueller já tem: a medida de uma história com ingredientes sempre vivos. Resta agora adicionar a esta técnica primeira a iluminação de uma linguagem mais inventiva, ou a construção de relâmpagos imprevistos no claro céu da sensibilidade.

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Lourenço Mueller. A Casa de Mil Janelas; romance. Salvador, Macunaíma, 1994. | As mil e uma janelas de Mueller (artigo de crítica literária). Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 19 dez. 94, p. 5.


















 
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